O silêncio das conchas

O silêncio das conchas

Eugênia Câmara

Quando falamos em viagens, um toque de alegria, quase magia, invade nossas almas e corações. Mas existem diversos tipos de viagens, e para cada uma delas há uma história a ser contada.

Conheci a Caminhada dos Faróis, em final de 2022 através da Internet. Imediatamente, despertou em mim o desejo de caminhar por quilômetros na areia da praia, tendo o mar, o céu e o infinito como destino, mas por diversos fatores, esse projeto acabou sendo adiado.

Como não sei se a vida é um caos, uma caixinha de surpresas ou nosso destino já está traçado desde o nosso nascimento, terminei o ano de 2023 e entrei 2024 trilhando esse caminho na praia dos Cocheiros.

Cento e noventa quilômetros percorridos durante oito dias. Confesso que não foi fácil; tive bolhas, dores nas costas, nas pernas e no corpo todo. Esses sintomas não são apenas naqueles com mais idade. Até os jovens e preparados, chegavam à exaustão. Mas faz parte. Aliás, tudo faz parte dessa jornada, inclusive ficar incomunicável com o mundo exterior por falta do sinal da internet.

Enquanto caminhava por aquelas praias desertas, me perguntava que mistério envolvia aquelas pessoas desconhecidas a se unirem durante o período do Reveillon. Acho que cada um sabe a sua resposta e não serei eu a tentar adivinhar. Quanto a mim, confesso que não fiz essa aventura para me desafiar. Fiz para desaparecer do mundo por um tempo, para fugir até de mim, e buscar respostas ou mais perguntas para continuarem sem solução.

Nesses momentos de solidão, saltavam em minha mente as palavras do Fernando (organizador dessa aventura) de que o objetivo dessa caminhada é a conexão com a natureza, universo, Deus e afins. Confesso que foi difícil essa interação, mas como a natureza é sábia, enquanto caminhava me arrastando na praia que é repleta de conchas, escutei a voz da minha mãe. Depois de vinte anos dela ter partido, achava que já havia esquecido do seu tom de voz e de como ela falava. Me senti abraçada, acarinhada e aí sim, fiz uma poça de água ao meu redor. Não sei quanto tempo passou nesse transe nem quantos passos eu dei nesse período, mas só sei que aconteceu. E então, encontrei a paz.

Sou muito racional e não acredito em magias, mas às vezes coisas inexplicáveis acontecem. E para minha surpresa, quando cheguei no ponto final daquele dia (normalmente eu era a última), estava muito cansada. Olhei para o Fernando e para a Janaína – sua esposa -, e sem uma palavra, cada um me deu um abraço e isso significou muito para mim. Quanta sensibilidade! E se existe magia, com certeza esses dois encontraram.

Enfim, chegamos à praia do Hermenegildo onde nos hospedamos numa pousada com direito a um banho de chuveiro com água abundante e bem demorado e uma noite bem espalhada numa cama bem macia.

Encerramos nossa jornada com uma pequena caminhada de apenas 14 quilômetros até a barra do Chuí.

E assim foi minha virada de ano. Ainda não sei se encontrei Deus, se realmente conversei com minha mãe, se me conectei com a natureza ou tudo não passou de um devaneio. Mas uma coisa eu encontrei: PAZ.

Com certeza essa jornada será guardada para sempre na memória e no coração.

 

Agradecimento a todos da maravilhosa equipe do CAMINHO DOS FARÓIS, que sem eles essa jornada não seria tão memorável e em especial ao Fernando Souza Neto e Janaina de Lima pelo carinho, sensibilidade e respeito pelo sentimento de todos nós que estávamos juntos numa data tão especial que é uma virada de ano, onde tudo pode começar de forma diferente. E tenham certeza que todos nós saímos desse desafio de forma diferente. Obrigada por tudo.

 

@mecalves

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3 comentários sobre “O silêncio das conchas

  1. Que vivencia maravilhosa: caminhar!
    Especialmente numa epoca tao intensa e cheia de emoçoes como é a passagem de ano!
    É o reencontrar.se! Se permitir sentir emoçoes profundas ! O caminho nao finalizou lá naquela pousada tao acolhedora; o caminho continua ! Buen Camino, peregrina !

  2. Realmente foi uma experiência sensacional e surreal ,conhecer pessoas cada um com uma história a ser contada,os lugares maravilhosos que passamos, aquele barulho do mar o tempo todo,o nascer e o por do sol cada dia um mais lindo que o outro.
    Senti e sinto ate hoje o cheiro do mar, foi senscional.

  3. Que maravilha Eugênia. Acredito que esses momentos de introspecção são necessários aí longo da vida. Parabéns pela tua determinação é coragem.

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