No caminho contrário das cegonhas Baiôa é mais que fogo e ar a aquecer corações estrangeiros em si mesmos

No caminho contrário das cegonhas Baiôa é mais que fogo e ar a aquecer corações estrangeiros em si mesmos

 

Geórgia Alves

 

Tenho certa intimidade, para além da empatia, com o narrador deste livro. A verve e o modo de olhar são ademais familiares. Há tempos testemunhara a mão do artista em atividade lúdica de retratar-nos. Não há muito falamos de livros que deveriam situar-se entre a ponta da lança de Dom Quixote e as barbas de molho de Bento Santiago. Pois este narrador nos devolve a humanidade perdida e nos conduz para depois do que há entre vislumbres e deslumbres do novo.

Pior, do que quer ser novo e jamais o é, porque somos humanos e à guisa de quê quereríamos algo tão diferente? A dificuldade, após ler Rui Couceiro, é não repousar mais minhas ideias senão sob as palavras dadas a Baiôa. Estranho o semelhante nos tornar tão cúmplices do que aspiramos que terminamos por querer mais a imagem do que o próprio mundo e o que assenta diante do espelho. Não é esta a melhor tradução à Arte e Literatura?

A ausência de realidade, que em toda narrativa se pauta pela simplicidade, ainda a elaboração e esmero façam da forma imensa. Grande como árvores quietas que não querem jamais ser pessoas. Querem se manter árvores onde repousamos nossas cabeças em sombras frondosas. De singular generosidade com os calores que experimentamos nestes tempos. Somente árvores seriam capazes. Jamais humanos. A narrativa nos conta de rios que correm ao amor, a voz que bem observa Baiôa e seus gestos na pequena vila diz do ser homem que quer ser parte da natureza:

“Devo, aliás, confessar que, em certas alturas, cheguei a desconfiar de que essa mesma natureza possuía uma agenda escondida – disfarçada com árvores tranquilas, cegonhas elegantes e rios mansos –, que passava por expulsar as pessoas”. Nunca a natureza é apenas mãe, e a olhos serrados temos a bem dizer que à hora em que o narrador deste livro chega à aldeia da mãe e avós, uma aldeia perdida no espaço e no tempo, tudo que atravessar o rio da vida são pedras preciosas.

Um narrador inteiramente humano que nos mostra tanto os olhos desatentos não são capazes de ver, por serem humanos. E que na face do deslumbre logo serão capazes de, diante da mesma poderosa e exuberante natureza, maldizê-la. Natureza do homem duvidar de si mesmo e do que tenha diante dos olhos, não citamos Machado de Assis em Bentinho?

Pois, Baiôa quer nos dar alguma simplicidade de certeza. Não a ostentação de uma verdade que carregamos duramente para depois nos acertar bem no meio da testa e marcar a memória do crânio coberto pelos cabelos. Como uma maçã que nos cai em sua gravidade a marcar descobertas que expulsam do paraíso.

Entre os deleites das experiências físico-químicas que na direção do Santuário de São Gonçalo da Cobrição, Baiôa e seu narrador nos aponta, há a nova ordem desejada ao mundo dos homens da fertilidade do corpo e do coração. Baiôa bem sabe que neste lugar as vontades encalhadas e sabedoras às vezes funcionam sob a velha e boa fórmula de séculos.

Conhecer a verdade da vida não nos custa senão entregar em confiança à sabedoria do ser-para-a-vida. Tal o fazem os que são árvores e como o são os tímidos que não querem tanto saber, posto que sabem, o coração jamais enxerga com olhos da cara.

Os olhos de quem narra Baiôa são hoje e ouso dizer, inspirada pela esperança que aprendi com Baiôa, vê por olhos do coração que nos dirigem aos melhores passeios da vida. Passeios pelos bosques da Literatura como ouvi de Umberto Eco. Passeios entre vilas e bosques e mesas circundadas por pessoas dispostas a viver e experimentar apenas a simplicidade da vida que são a matéria-prima deste livro.

@georgia.alves1

 

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