Stalker – Andrei Tarkovsky

Stalker – Andrei Tarkovsky

 

Pedro Albuquerque

Stalker, obra cinematográfica do diretor soviético Andrei Tarkovsky, retrata a história da viagem de um escritor e um cientista à uma região localizada no seio de um mundo paralelo, num futuro incerto, conduzidos por um “Stalker” *(conceito explicado ao longo do texto).

 

A região é denominada “Zona”; denominação essa, guarnecida de considerável teor simbólico que, ao longo da trama, torna-se cada vez mais sugestivo e subjetivo. A Zona é fruto de ato incerto. Suspeita-se que sua origem se deu quando da queda de um meteorito. É uma extensão geográfica de natureza desconhecida e o acesso físico a ela, restringido por todo um aparato institucional de segurança. Há uma concepção mística a respeito da Zona afirmando a existência de um local – em seu núcleo – a “sala”, no qual os sonhos mais íntimos de cada indivíduo são realizados. Os “Stalkers” são aqueles que burlam a restrição física imposta pelo aparato de segurança já mencionado e conduzem os interessados à Zona: os Stalkers são os “guias turísticos”.

 

Diferentemente de grandes produções comerciais – ao exemplo dos blockbusters de grandes produtoras como a Marvel – os elementos fantásticos, truques e efeitos visuais não são o foco principal das obras de Tarkovsky. O foco principal é a mensagem subtextual que a narrativa possui o potencial de transmitir. Os elementos fantásticos apenas servem como como uma via de se transmitir ou intensificar o teor da reflexão a qual o filme presta-se a passar, de tal modo que a zona e seus “dotes” fantásticos tornam-se grandes metáforas representativas de elementos e características do real.

 

Em Stalker, lidamos com personagens angustiados, guarnecidos de capacidades que os diferenciam em relação à ordinariedade do tecido social. Portadores de extenso repertório e capacidade crítica (até mesmo o stalker, sendo um homem sem honrarias acadêmicas ou artísticas formais, produz arte singular, afinal, burlar toda uma rede de segurança e conduzir pessoas através de um ambiente hostil requer habilidades específicas e pode ser considerado arte de grande envergadura, não?). São personagens desesperançosas, em decadência, que procuram algo que lhes ofereça sentido para a dinâmica do curso das coisas, ou, pelo menos, um motivo para “seguir em frente” e intentam buscá-lo na Zona.

 

O esteticismo aprimorado e sensível de Tarkovsky nos leva à concepção de um grande e dilacerador vazio existencial. No conjunto inicial de imagens, há a presença marcante do cinza, do branco e do preto. É um ambiente frio, há muito barro e sujeira. Elementos pesados, trilhos, locomotivas e vagões de trem, ítens de ferro chamam atenção. A comunicação entre as personagens é escassa: condição que nos remete ao vazio, à negação, à ausência, correspondendo ao estado de espírito, à alma daqueles que ali encontram-se em texto, em relação linguística.

 

Após enfrentarem os perigos da segurança e adentrarem à zona, começamos a lidar com imagens em cores diversificadas, retratando fielmente o ambiente local. Essas conjunções de cores talvez sejam a indicação de um rastro de esperança. Inicialmente, a Zona aparenta ser um local comum. Uma selva afastada e desabitada. Porém, suas características peculiares vão se apresentando aos poucos. Ao sabor dos escassos diálogos de elevado teor filosófico e poético travados entre as personagens e os modos de como se proceder na Zona, passados pelo stalker aos seus seguidores, a metáfora encarnada pela zona torna-se perceptível. A Zona nada mais é do que o elemento subjetivo mais objetivo que nos cerca: a vida. Assim como na Zona, na vida não seguimos um caminho reto, objetivo. Os caminhos que vislumbram objetivos variados são marcados por percalços, por desvios, por mistérios. Assim como na Zona, na vida, as ações e deliberações dependem de nós, do ser que está a pensar, a ponderar. Assim como na Zona, não há como trilhar um mesmo caminho de volta. Voltar a um lugar que nos foi comum em determinada etapa da vida implica voltar com um conteúdo psíquico e existencial diferente daquele que possuíamos: fruto das experiências, fruto da vereda que optamos por caminhar; ou seja, implica em voltar como um outro ser. Para alcançarmos a “sala” da vida, as sendas são árduas, dolorosas, repletas de sujeira, ferro e contradições, mas fazem-se necessárias. Em essência, o caminho é o elemento principal: o moedor de carne, o túnel seco, os destroços e corpos que ficaram para trás; aquele cuja intenção é alcançar a “Sala”, terá, indubitavelmente, de enfrentá-los.

As personagens, mesmo em conflito, não se abandonam. Sugerem-nos a noção de fraternidade. O “Stalker” assume a posição de um mestre, de um sábio. Na viagem da vida, topamos com estes “sábios” que nos ajudarão ante ao devir, ao turbilhão das coisas, compartilharão suas experiências e suas interpretações de tais experiências. Não são seres transcendentais, são seres de carne e osso – submetidos às agruras, à causticidade deste ácido que chamamos “vida” – assim como nós. O Stalker é a nossa mãe, o nosso pai, o nosso amigo, o nosso professor, ou seja lá quem for.

 

A Sala, efetivação dos sonhos mais íntimos, a conquista dos desejos mais pulsantes e mordazes, encontra-se na Zona (na vida). O único modo de se alcançar a Sala, é caminhando. A zona torna-se cada vez mais abstrata na medida em que as personagens vão adentrando-a pois é a vida na mais pura concepção, a realidade em suas mais amplas dimensões e perspectivas. A areia e as visões que acometem as personagens em um recinto após atravessarem o “Moedor de Carne” não são nada mais do que os devaneios que nos acometem frequentemente. A fragilidade e o desprezível tamanho das coisas ante a vida. Entretanto, assim como os pequenos grãos de areia se unem e formam uma grande massa, os pequenos desafios também se unem e podem se transformar em grandes obstáculos, dificultando-nos. Lembrando o trecho da bela poesia “caminhante”, do poeta espanhol Antônio Machado: “Caminhante, não há caminho, faz-se caminho ao andar. Ao andar se faz caminho, e ao voltar a vista atrás se vê a senda que nunca se voltará a pisar”, finda-se este texto com a seguinte recomendação: reserve e ceda um pedaço de tempo da sua jornada existencial para o deleite de contemplar a obra “Stalker”, para o deleite de assistir à uma exímia metáfora acerca daquilo que permitiu-o ler todas as palavras aqui registradas.

 

@petrussanctorum

 

 

 

 

 

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