SOMOS UM BANDO DE MACUNAÍMAS?

SOMOS UM BANDO DE MACUNAÍMAS?

Antônio Pimentel

Macunaíma, o “herói sem nenhum caráter”, é central no romance de Mário de Andrade, publicado em 1928, fruto de um período de reflexões sobre a chamada “cultura brasileira”. Contemporâneo do “Manifesto Antropófago”, de Oswald de Andrade, o livro e seu protagonista marcam a busca de uma identidade cultural nacional, singular, sem mimetismos da cultura europeia. Uma cultura “não catequizada”, como apregoavam os modernistas. A história é complexa, citada aqui só para evitar que o uso do personagem seja apartado de sua origem.

Invisto na vertente mais popular de Macunaíma, sua falta de caráter. O herói vive desventuras, com sua duvidosa índole sempre destacada. Ele mente, trapaceia, prejudica os demais, mas é sentimental. Chora, é manhoso, se enternece. Um camaleão da malandragem e do sentimentalismo. Seria esse o perfil dos brasileiros? Usando essa caracterização, posso apontar compatriotas sombrios, perfeitas encarnações do Macunaíma velhaco; e outros, luminosos, que são a superação dessa suposta e desastrada carga atávica nacional.

Trabalhei bom tempo numa empresa de consultoria. O criador e principal consultor da empresa, Prof. Antonio Carlos Gomes da Costa, foi central na estruturação do Instituto Ayrton Senna. Nos trabalhos de planejamento estratégico e lapidação da identidade do Instituto, ele destacava o mito Ayrton Senna, o herói nacional, seu ideal, sua força no imaginário coletivo e para a organização nascente. E dizia que Senna era a negação da carga macunaímica que ronda nossa sociedade. Senna é herói honrado, trabalhador, audaz, vencedor, um brasileiro que ocupou a primeira linha num competitivo esporte internacional. É tudo isso que o faz presente em inúmeros corações e mentes.

Temos outros heróis negadores desse estigma macunaímico. Destaco alguns que admiro. O Marechal Rondon, militar e sertanista. Os irmãos Villas-Bôas, indigenistas. O sanitarista Oswaldo Cruz. O cardiologista Euryclides Zerbini. A pediatra Zilda Arns. O grupo criativo que criou Brasília, com destaque para Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Burle Marx, Joaquim Cardozo e Athos Bulcão. O Profeta Gentileza, com sua mensagem de paz e delicadeza. A psiquiatra Nise da Silveira. Os músicos Paulinho da Viola, Gilberto Gil e Cartola, para citar três meus queridos. Todos iluminam o país com atos e exemplos. São agregadores. São referências. Somam-se aos citados os milhões de brasileiros dignos e honestos.

E os macunaímas? São muitos e estão por aí. Em tempo de pandemia, recusaram o uso de máscara e tramaram expedientes para burlar o isolamento social e promover festas e outros ajuntamentos. Aplicam constantemente golpes em pensionistas. Muitos ocupam cargos no serviço público e não trabalham, embolsam salários e não prestam serviços à sociedade. Outros pagam e/ou recebem propinas. No trânsito, usam de espertezas para burlar as regras e levar vantagem. Todos de pernas curtas. Insignificantes. Servem para lembrar que a falta de caráter está entre nós, com várias faces.

Não citei os macunaímas famosos. Não destaquei políticos, empresários e governantes danosos. Essa gente não merece qualquer alinhamento com a obra de Mário de Andrade. Esses seres notórios são – muitos deles – criminosos, bandidos, abjetos. Não podem dar o tom da sociedade. Não devem nos pautar.

Macunaíma é herói capenga. Capenguice moral. Isso é forte entre nós. Minha intenção, no entanto, é enfatizar o oposto. Destacar o altivo, o digno, a referência. Não somos um bando de macunaímas. Não é essa a verdadeira face do Brasil. Personagens lúgubres tomam nosso tempo e consomem nossas energias. Precisamos investir nas pessoas brilhantes, que nos trazem ânimo, alegria e rumo. Precisamos cultivar e exaltar o melhor do Brasil.

@antoniopimentelbh

12/03/23

 

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