Tudo parecia impregnado de eternidade

Tudo parecia impregnado de eternidade

Geórgia Alves

O livro de Filipe Bandeira, com este título, extraído de um poema de Manuel Bandeira, só pode ser e o é um livro de contos com sob um viés narrativo literário poético, certo? Sim, só que não. Sob uma elaboração ainda mais cabralina que bandeiriana, tudo parecia impregnado de eternidade é um livro de contos sobre a trágica e insólita esperança sobre a Arte a ser extraída da vida e da rotina.

Não ensejo falar sobre as influências do escritor, também professor de Língua Portuguesa, e, naturalmente, conhecedor profundo de suas malemolências e, ao mesmo tempo, tragicidades na vinculação à norma culta. Leitor contumaz, provavelmente, de Machado de Assis, existe um conto que parece saído das Memórias de Brás Cubas, só que não, ou de Quincas Borba, só que – mais ainda – não e não. Se há um sim, na Literatura de Filipe Bandeira? Acho que você já sabe bem a resposta.

Não é uma Literatura que se dê uma folga, ou, menos ainda, uma brecha ao espírito pela linguagem e seus jogos de poder. Sim, o autor entende muito bem o que fez com a escrita dos contos, com as personagens e, talvez, em tudo parecia impregnado de eternidade, a grande pausa, para um silêncio é quando acende um cigarro. Ou seja, tudo que existe na Literatura Contemporânea está impregnado de veneno e toxidade. Só que há o amor. Há a morte. Há o detalhe do sutiã marcando a blusa de alguém muito muito doce e deliciosamente entregue como um pedaço de bolo de chocolate.

A marca debaixo da chuva. Talvez também tóxica, já que atravessamos a maior das crises sanitárias. O livro é de 2021, escrito em plena pandemia, e, se esta fosse uma crítica justa, a palavra sequer constaria nesta resenha. Que também pode levar consigo outro nome, como sensações interrompidas. Improváveis aspirações para uma vida de esperanças, ou lembranças.

Sim. Eu me senti dentro do livro quando o LP de Buddy Guy, in concert, toca na vitrola saída da mesma loja de uma antológica máquina de escrever. Também li o livro sentada em um banco da Praça de Casa Forte.

Sei bem como funciona a cromaticidade do pôr-do-sol diante do Marco Zero. O marco delimitado por mãos humanas diante da exuberante natureza de dois molhos de corais em linhas retas e paralelas.

Sei bem.

Sou feita de gritos de filhos, zunindo em meus ouvidos, ao chegar do trabalho em casa. Não existe nota melódica mais precisa. Felicidade é um defeito. Digo isso porque li Cícero, o filósofo que dizia ser a felicidade a grande virtude do homem. Porque sua grande virtude consiste na perfeição.

Perfeição que talvez, talvez, custe virtudes ainda mais importantes. Atitudes ainda mais éticas e humanamente interessantes. Ah, Filipe, tantas lições de Português não dão conta de um choro compulsivo diante de uma moeda. Uma moeda para cavidade dos olhos, na vida e na morte. No amor, nada mais importa senão o amor mesmo. Não pede o que é certo ou o que é erado. Não pede fazer, não fazer, ser ou não ser, amor só exige da gente amar. Só.

Vi coisas lindas entre os contos. Não vou ficar aqui relacionando seus nomes, como naquela brincadeira nome, país, animal. Pouco importa que a construção tenha exigido tanta verdade do artista. Isso tudo parecia impregnado de eternidade tem de sobra. No entanto, preciso destacar tijolo por tijolo:

“Seu Cavalcante, essa parede me encanta. Um dia farei na frente da minha casa igual. Olha só, não tem um tijolinho desalinhado. Eu chegava aqui e via seu pai de cabeça para baixo, martelando pregos em cada extremo da parede, passando linhas e em seguida colocando tijolinho por tijolinho. Meu pai riu muito. Sabe, Evaristo, a vida parece uma construção, pois se você faz uma parede torta ou coloca uma cerâmica errada, pode desfazer todo o serviço para endireitar. Na vida você também tem essa chance. O que ficou torto pode ser reconstruído. A única coisa a fazer é deixar o passado no passado e recomeçar.”

É isso Filipe. Com todo tempo do mundo e a certeza de que os tempos de hoje exigem mais cuidados, tenho a dizer que fiz leitura espontânea e inspirada, dada a paleta de sensações desperta pela estética de teu livro. Entre o finalzinho de tarde em que nos conhecemos e este, em que escrevo sobre teu livro fiquei pensando, quantas vezes me senti dentro de um livro? E quanto tudo parece impregnado de realidade, são camadas e camadas de aprendizado.

@georgia.alves1

 

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