Praia

Praia

Eugênia Câmara

Lá pelos idos de 1970, ir à praia era uma odisseia.

Meu pai tinha um DKV motor dois tempos com cambio ao lado do volante com três marchas apenas. Para a época era um luxo. Fazia um barulho infernal na estrada, além do cheiro de óleo queimado que fazia nossos estômagos revirarem.

Pois bem, todo ano, após o Natal em família em Porto Alegre, íamos passar o Ano Novo na praia. Aí começava nossa epopeia. Minha mãe queria colocar no porta malas do carro, praticamente a nossa casa toda, mas ela esquecia que tinham as malas, bicicletas, planonda (para aqueles que não sabem o que é esse objeto explico: era uma prancha de isopor que diversas crianças usavam para entrar no mar) comida, enfim, tudo que pode ser usado numa praia.

Aí começavam as aventuras… e que aventuras… meu pai ficava com cara fechada, minha mãe se achava vítima e meu irmão e eu, só queríamos saber de brigar por causa do espaço no banco de trás.

Uma ida até a praia, que hoje se faz em torno de uma hora, uma hora e meia, naquela época, fazíamos em três horas ou mais. Para começar, íamos pela RS 30 pois era a única estrada que existia para deslocamento até as praias do litoral norte.

Primeira parada: cidade de Glorinha para um café, esticar as pernas e acalmar as brigas no banco de trás do carro. Depois do café e ida ao banheiro, pegava-se a estrada novamente até a próxima parada que era na cidade de Santo Antônio da Patrulha para comprar sonhos.

Se ninguém tivesse passado mal até aqui, a viagem prosseguia, caso contrário, tínhamos que achar um posto de gasolina para lavar a parte interna do carro. Sem contar o borracheiro, que era indispensável na beira da estrada, pois era comum um pneu furar no meio do caminho. Aí a tragédia estava completa. Crianças brigando, vomitando, pneu furado, carro lotado, um calor senegalesco e pais irritados. Cenário completo e perfeito para uma obra de Nelson Rodrigues.

Enfim, após toda essa situação caótica, chegava-se na praia. Mas não podíamos sair correndo para brincar, sem antes ajudar meus pais a arrumarem a casa e colocar tudo no seu devido lugar. Tortura era isso que eu pensava, pois queria correr e brincar com minhas amigas que visto estarem na praia.

Finalmente, após tudo arrumado, eu e meu irmão adentrávamos no paraíso, enquanto minha mãe entrava no purgatório e meu pai no salvo conduto.

@mecalves

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