“PRA FRENTE BRASIL…”

“PRA FRENTE BRASIL…”

Pedro Santos

A Copa de 1970 foi uma festa de norte a sul do país, não sendo diferente em Itaúna. Se foi usada pela “Ditadura Militar” para distrair o povo e esconder suas atrocidades, com meus 10 anos de idade, já gostando muito de futebol, nem desconfiava dessas mutretas dos milicos. Para falar a verdade, sabia até cantar de cor uma das músicas mais bonitas feitas para a “Seleção Canarinho”: “Pra Frente Brasil” (“Todos juntos, vamos, pra frente Brasil, Brasil, salve a Seleção!”). Digo mais… achava bonito os desfiles militares… principalmente o som das fanfarras. O ufanismo parecia contagiar a maior parte da população. Não me lembro de meu pai reclamar qualquer coisa dos governos da época. Fui tomar consciência das atrocidades da Ditadura a partir de meu contato com a MPB e de minha aproximação com a “turma do Jornal Brexó”, uma emblemática publicação independente que durou 38 anos. Lá em casa, já tinha televisão e ficava lotada com os meninos e rapazes da redondeza, que iam para ver os jogos. Muitos deles jogavam peladas com meus irmãos no “Campinho da Gruta”, localizado na esquina da Rua Sesostres Milagres com a ruazinha de acesso ao local onde a “Virgem Maria” teria aparecido. Nos dias da “Copa”, os líderes da pelada inventaram um “bolão” com o objetivo de comprar bolas com o lucro (…era uma lista coletando os palpites dos jogos, cada pessoa pagava uma taxa e quem acertasse o resultado, ganhava um percentual do que foi apurado). Quem mais angariou pessoas para o “bolão” foi um tal de “Willian”… apelidado de “Jacaré”. Ele tinha uma deficiência física de nascença, sendo seus braços maiores do que as pernas, parecendo mais um macaquinho quando andava… quase arrastando as mãos no chão. E olha que ele gostava também de jogar bola com a turma… só que fazia com as mãos o que os demais faziam com os pés, correndo como um quadrúpede… e tomava cada pisão nos dedos da mão, coitado! Era epilético e desmaiava com frequência. Todo mundo gostava dele! Conseguiram, então, muito graças a ele, comprar duas bolas com o lucro: uma grande de “18 gomos de couro” e uma pequena, tamanho “futebol de salão” (hoje, seria o futsal). Mas algo que já tinha acontecido, mas que ninguém esperava… aconteceu de novo, logo na estreia: as duas bolas foram arremessadas numa casa vizinha ao campo, onde moravam três irmãs solteironas, que tinham uma certa birra da molecada, que as insultavam, chamando-as de “coroas”. E não quiseram devolver as “pelotas” da garotada, falando que “tinham sido quebradas várias telhas na casa… com as boladas daqueles pernas de pau”. A salvação foi o nosso “Jacaré”… que era também amigo delas e conseguiu a devolução das bolas, que voltaram, no entanto, rabiscadas com a escalação do “Cruzeiro Esporte Clube” em seus gomos (uma das “velhas meninas” era cruzeirense doente…desde a “Santa Ceia”). As peladas recomeçaram… e as vizinhas não deixariam de ser insultadas. Quase ninguém tinha ainda televisão colorida na cidade, era uma novidade. Aquela “Copa de 70” foi a primeira a ser transmitida em cores para o Brasil. Uma loja de Itaúna, que existe até hoje, a “Casa Adolfo Mendes”, surpreendeu a todos, armando um palanque na Praça da Matriz, no centro da cidade, e colocando quatro televisores coloridos para que o povo assistisse aos jogos do “Mundial”. Em volta do palco, abaixo das tevês, um pintor, conhecido como “Heli Jaó”, desenhou as caricaturas de todos craques da “Seleção”… achei aquilo o máximo e ficava tentando reproduzir nos muros de casa os desenhos dos jogadores também. Foi uma grande Copa, aquela do México! O então prefeito da cidade de São Paulo, “Paulo Maluf”, comprou, com dinheiro da prefeitura, 25 fuscas de cor verde-oliva e presenteou aos jogadores e a comissão técnica do “Tri” (e no vidro de cada um estava escrito: “Brasil, ame-o ou deixe-o”… um lema da Ditadura). Maluf foi processado por um advogado por quase 40 anos e condenado a devolver a grana aos cofres públicos… mas, ao final, em última instância, no STF, a nossa Suprema Corte… ele foi absolvido. Naquele tempo de festa, em que tudo parecia normal, esse fato me passou despercebido, só vindo a saber do caso dos fuscas muitos anos depois… já algumas “Copas” mais tarde. Quando, em 1983, assisti ao ótimo filme de Roberto Faria, que tem o mesmo nome de minha marcha preferida da Seleção (“Pra Frente Brasil”), tive uma visão bem estarrecedora do uso daquela Copa pelos militares e seus políticos… visando a alienação do povo e a morte de seus adversários nos porões do “Poder”. Mas, sinceramente, ainda hoje, mesmo quando se escuta pessoas transloucadas pedindo a “volta da Ditadura”, me recordo com carinho da “Copa do Tri”: “uma rosa de ouro… no pântano daqueles tempos de chumbo”.

(Esta é mais uma de minhas anotações pandêmicas, “PUXANDO PELA MEMÓRIA”, que vai reunindo o que me lembro de mim mesmo e dos meus)

@opedrosantosde

 

19700cookie-check“PRA FRENTE BRASIL…”

Deixe comentário

Seu endereço de e-mail não será publicado. Os campos necessários são marcados com *.