OS CATECISMOS DE CARLOS ZÉFIRO.

OS CATECISMOS DE CARLOS ZÉFIRO.

Antônio Pimentel

No começo da minha adolescência, finalzinho da década de 1960, era uma empreitada difícil e arriscada conseguir um “catecismo” de Carlos Zéfiro. Proibidos para menores de 18 anos e vendidos clandestinamente em bancas de jornal, os quadrinhos de Zéfiro eram fonte de erotismo e prazer. A “revistinha de sacanagem”, nome usado na época, no formato de gibi, era leitura para ser feita com uma mão só. Ficou claro ou é preciso desenhar? Era a farra do onanista militante.

Hoje, temos uma overdose de revistas, vídeos, filmes e aplicativos sobre sexo, erotismo, pornografia, serviços sexuais variados e tudo que se puder pensar. Na minha adolescência, tínhamos conversas, imaginação e Carlos Zéfiro, que desenvolvia enredos de sexo explícito com desenhos e textos, sem pudores e sombras. Quem conseguia um exemplar, feito heroico, compartilhava com a turma, muitas vezes à noite, debaixo da luz do poste da rua. Depois, com cautela, a revistinha circulava de mão em mão, de casa em casa. Cada um tinha seu tempo de ócio e deleite.

Carlos Zéfiro é o pseudônimo de Alcides Aguiar Caminha, funcionário público do Ministério do Trabalho, no Rio de Janeiro, que só foi identificado e recebeu reconhecimento e homenagens em 1991, um ano antes de morrer. Juca Kfouri, então jornalista da revista Playboy, revelou a identidade daquele que fez a alegria da rapaziada. Avalia-se que Zéfiro publicou mais de 500 catecismos. Hoje, ele é cult e já foi homenageado por Marisa Monte na capa do seu CD “Barulhinho Bom”. Seu traço inconfundível ilustra o CD.

Catecismo? Procurei, mas não encontrei uma explicação para esse nome dado aos gibis eróticos de Zéfiro. Fui ao dicionário buscar alguma pista. Destaco o significado da palavra “catecismo, (gr katekhismós) 1 Compêndio elementar de instrução religiosa. 2 Livro que contém essa instrução, por perguntas e respostas. 3 Doutrinação elementar sobre qualquer ciência ou arte.” Talvez os gibis de Zéfiro fossem vistos como meios de instrução e educação sexual. Aulas de sacanagem. Talvez. O certo é que catecismo, o “gibi que contém histórias pornográficas”, já está dicionarizado.

Há algum tempo, me lembrei dos catecismos de Zéfiro e resolvi pesquisar na internet. E não é que dezenas deles estão disponíveis para leitura! As histórias e os desenhos originais! Quem já leu e quer reler ou quem quer conhecer, vá ao endereço: http://www.carloszefiro.com/

Um alerta. O site indicado acima traz fotos dispensáveis de mulheres nuas e sexo explícito. Não perca tempo com isso. Busque as revistinhas. Há uma coluna só de catecismos e, no final da página, aparece uma concentração de exemplares. Os títulos dos gibis são uma atração: “A carona”, “A fogosa”, “A curiosa”, “Minha prima Irene”, “Pensão familiar” e outros. Os desenhos e enredos de Zéfiro estão lá, com a mesma força das décadas de 1950 a 1970, período da produção do funcionário público e pacato cidadão Alcides.

Fiquei curioso com o Zéfiro do pseudônimo do senhor Alcides. Dei uma olhada na história desse personagem mitológico. Zéfiro é o “deus do vento oeste”, o mais suave dos ventos, brisa leve e agradável. Parece um sujeito da paz, mas, na minha rápida pesquisa, ele surge em situações nada bentas: assanhado, fecunda éguas e gera cavalos velozes; alcoviteiro, leva Psiquê à morada de Eros; enamorado, apaixona-se pelo jovem Jacinto, perde a parada para Apolo (o que não é nenhum demérito) e, vingativo, vê o casal lançando disco, sopra uma rajada de vento e faz o disco atingir e matar o belo Jacinto. Ou seja, o tal do Zéfiro tinha conexões com vários tipos de sacanagens. Caiu bem no catecismo.

Existem estudos e debates sobre a obra de Carlos Zéfiro, certamente polêmica e aberta a interpretações, reconhecimentos e críticas. Há muita discussão sobre o que é pornografia e seu impactos na vida das pessoas. Vulgaridade? Violação do pudor? Obscenidade? Libertinagem? Não é essa a minha praia. Entre adultos, não tenho problemas com esse assunto, mas reconheço que há grosseria e mau gosto em muitas publicações que circulam por aí. É terreno delicado. O certo é que gostei de reencontrar os gibis, que ainda são atraentes, estimulantes e podem ajudar na catequese de muita gente. Fui catequisado com eles e os recomendo vivamente.

@antoniopimentelbh

27/08/2023

 

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