ÓCIO, PREGUIÇA E POLÍTICA

ÓCIO, PREGUIÇA E POLÍTICA.

Antonio Pimentel

Escrevo a partir da provocação facebookiana de uma amiga que tem um jeito sensível e generoso na abordagem das coisas do mundo. Recentemente, ela refletiu sobre a relação entre ócio, preguiça e política. Gostei do mote. A relação existe e é importante. Momentos de ócio e preguiça são vitais para o desenvolvimento das sociedades, para a vida das pessoas. São momentos que preparam indivíduos e coletivos para o convívio humano cooperativo e criativo. Tempo de estio. Tempo de reflexões, aprendizagens, amores, prazeres, amizades. Tempo de criação e descoberta. Tempo que precisa ser democraticamente possibilitado a todos os humanos, sem exceções, sem exclusões.

Há muitos anos, Paul Lafargue foi um nome que despertou minha atenção. Primeiro, com seu livreto, um manifesto político chamado O Direito à Preguiça. Segundo, com o fato de Lafargue ser genro de Marx, o barbado que até hoje nos faz pensar.

O Direito à Preguiça tem uma importância histórica conjuntural: foi um manifesto robusto contra as jornadas abusivas de trabalho nos primórdios de Revolução Industrial. Jornadas de até 17 horas diárias de trabalho. Indo além do momento histórico específico, Lafargue combate fortemente a lógica capitalista e cristã do trabalho como centro da existência humana. Expulso do Paraíso cristão, o ser humano está condenado a sobreviver com o suor do seu trabalho. Trabalho-castigo, trabalho-sina, trabalho-exaustão.

Lafargue combate esse paradigma cristão e capitalista: “A moral capitalista, lamentável paródia da moral cristã, fulmina com o anátema o corpo do trabalhador; toma como ideal reduzir o produtor ao mínimo mais restrito de necessidades, suprimir as suas alegrias e suas paixões e condená-lo ao papel de máquina entregando trabalho sem tréguas nem piedade”.

Para combater esse exaustivo paradigma, Lafargue evoca: “Ó Preguiça, tem piedade da nossa longa miséria! Ó Preguiça, mãe das artes e das nobres virtudes, sê o bálsamo das angústias humanas”! Ele questiona a bandeira do “Direito ao Trabalho” com a bandeira do “Direito à Preguiça”. Busca o ser humano liberto da condenação ao trabalho e aberto à fruição da preguiça, do ócio. Lafargue batalha pela redução da jornada de trabalho, uma conquista nas sociedades modernas, e lança as bases para uma revolução maior: o trabalho necessário e o direito ao ócio, ao tempo livre e diletante.

Lafargue lançou seu manifesto em 1880. Hoje, temos o sociólogo Domenico De Masi e sua defesa do ócio criativo. Separados por século e tanto, são pensadores irmãos, convergentes. Lafargue viveu o começo da industrialização. De Masi vive um tempo de substituição de músculos pela tecnologia aplicada ao mundo do trabalho e da produção. Novamente, a jornada de trabalho é discutida e o tempo de ócio e preguiça ganha importância e destaque.

De Masi, um italiano que se apaixonou pelo Brasil, combate a idolatria do trabalho, do mercado e da competitividade e propõe um modelo de sociedade centrado em outras premissas: estruturação das atividades humanas em uma combinação equilibrada de trabalho, estudo e lazer; e valorização das necessidades reais das pessoas, educando indivíduos e sociedades para a importância da introspecção, do convívio, da amizade, do amor e das atividades lúdicas.

Diz o sociólogo: “o ócio criativo é uma arte que se aprende e se aperfeiçoa com o tempo e o exercício. Existe uma alienação por excesso de trabalho pós-industrial, assim como existia uma alienação por excesso de exploração pelo trabalho industrial. É necessário aprender que o trabalho não é tudo na vida e que existem outros grandes valores: o estudo para produzir saber; a diversão para produzir alegria; o sexo para produzir prazer; a família para produzir solidariedade etc.”.

Ócio e preguiça são assuntos políticos, estão no centro da discussão sobre o futuro das sociedades humanas. Discute-se a apropriação e o uso do tempo das pessoas. Um exemplo prático: o tempo que trabalhadores perdem nos ônibus, trens e metrôs, diariamente, é tempo roubado do ócio e da preguiça. Tempo de vida que deveria ser usado para o convívio, o prazer, o estudo, a fruição, o deleite. A máquina capitalista de trabalho e produção sem limites usurpa esse tempo dos trabalhadores. Combater essa exploração e afirmar o direito humano ao ócio e à preguiça é uma questão política fundamental.

@antoniopimentelbh

20/11/22.

 

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