OBRIGADO, PROFESSORES BAUMAN E BORIS FAUSTO!
OBRIGADO, PROFESSORES BAUMAN E BORIS FAUSTO!
Antônio Pimentel
O sociólogo, filósofo, escritor e professor Zygmunt Bauman morreu no início de 2017, aos 91 anos. Foi um pensador incansável e instigante. Não sou conhecedor de sua obra, mas gosto de suas formulações sobre nossa sociedade. “Os tempos são líquidos porque, assim como a água, tudo muda muito rapidamente. Na sociedade contemporânea, nada é feito para durar”, dizia. Fluidez, transitoriedade e volatilidade são marcas do nosso tempo. Bauman buscava “refletir sobre para onde estamos indo, avaliar o que estamos deixando para trás e ponderar sobre o que temos a ganhar e a perder com nossas decisões”.
Perguntado, numa entrevista à revista Galileu, sobre como, num mundo tão volátil, gostaria de ser lembrado, respondeu, rindo: “Isso é algum tipo de teste psiquiátrico? Bem, vamos lá: os filósofos antigos costumavam dizer que a receita para uma boa vida é vivê-la de tal forma que você consiga deixar suas pegadas no mundo. Acreditavam que só assim seremos lembrados. Confesso que não tenho a menor ambição de ficar imortalizado na memória das pessoas. Isso nunca me passou pela cabeça. Por outro lado, estou convencido de que podemos deixar nossas pegadas no mundo escrevendo sobre os prós e contras da sociedade em que vivemos. E, principalmente, dando aos homens a esperança de que, um dia, nossa sociedade possa se tornar um lugar melhor. Ou, pelo menos, um lugar um pouco mais ‘bom’ e um pouco menos ‘mau’”.
Vi no canal Globo News uma entrevista de Bauman, feita um ano antes de sua morte. A conversa é boa e dois pontos chamaram minha atenção. A vivacidade daquele homem de 90 anos, magro, cabeleira branca, olhos pequenos e atentos. E o agradecimento do entrevistador: “Obrigado, professor Bauman!”
Achei bonito ver sintetizado em um único tratamento a diversificada trajetória daquele homem. Professor Bauman! Não o professor-título. Não o professor-função. Não o professor-cerimônia. Sim o homem que produziu e disseminou conhecimentos. Sim o intelectual que marcou nossa sociedade com suas reflexões e ensinamentos. Bauman estendeu a mão ao entrevistador e se despediu com um uma leve reverência com a cabeça. Saiu da sala. Algum tempo depois, saiu da vida. Mas suas pegadas estão por aqui.
Coincidentemente, acabei de ler ontem o livro O Brilho do Bronze, do professor e historiador Boris Fausto, edição caprichada da Cosac Naify.
O bronze em foco é a lápide da sepultura onde estão enterrados o pai e a mulher de Boris, sua amada Cynira. O livro, que cobre momentos e reflexões entre 2010 e 2014, é um diário do luto. Com tristeza, humor, momentos de impaciência e algumas ranhetices, o autor atravessa um tempo de perda e dor. É um livro tocante e revelador da personalidade de um intelectual que é referência.
A coincidência anotada no parágrafo anterior tem alguns aspectos que merecem destaque. O professor Boris Fausto é paulista, 92 anos. Bacharel em Direito, historiador, professor aposentado da USP, ex-procurador do Estado, escritor, ele marca a historiografia brasileira. Produz e dissemina conhecimentos. É um inquieto estudioso do Brasil. Ilumina nossa sociedade com suas reflexões e ensinamentos. É, como Bauman, um mestre.
Ler O Brilho do Bronze foi oportunidade para conhecer melhor um homem que os livros e a produção intelectual podem fazer parecer distante, inatingível. Nada disso. Boris Fausto, vivendo seu tempo de luto, está ao nosso alcance. Conversa conosco. Anda pelas ruas. Podemos cruzar com ele por aí. Numa viagem. No cemitério do Morumbi. Num jogo do Corinthians. Em um bom restaurante. Seu livro é íntimo e nos permite conhecer recantos de sua vida. Diz Boris Fausto: “Mesmo em fases muito difíceis, não deixei de observar o mundo ao redor. Desde as primeiras anotações mesclei registros de cenas cotidianas ao tema do luto, que, assim, não se impôs como tema único do diário.”
O luto não é tema único, mas é central e marcante. É bonito ver um “senhor de idade”, como ele se define, lamentar a perda do seu amor e cuidar da memória desse amor, sem perder o viço e o gosto pela vida. Diante do túmulo, ele diz: “Envio um alô para meu pai, tratando de estabelecer melhores relações com ele, mas o centro das minhas emoções é Cynira. Falo com ela, como se minha voz pudesse acordá-la do sono eterno (expressão horrível): digo da minha saudade, que em casa está tudo bem e até peço alguns conselhos. Derramo lágrimas amargas.”
Obrigado, professor Boris Fausto!
18/12/22
@antoniopimentelbh