Mainá e a odisseia de Karina  De Comadre Fulozinha ao Maracatu Piaba de Ouro  Do mundo do livro e o que seja lá: Luta Livre ou Mercado Literário

Mainá e a odisseia de Karina

De Comadre Fulozinha ao Maracatu Piaba de Ouro

Do mundo do livro e o que seja lá: Luta Livre ou Mercado Literário

 Por Geórgia Alves

Por que um título tão grande? Porque você pode até nem se lembrar de tudo, pois importa mesmo que lembre, o importante da história é saber como contar. Karina Buhr deve ter sido menina agitada, assim como Mainá bem capaz de brincar na chuva. Bem capaz de enfrentar o mundo de querência em querência, de fazer arte. Brincar com fogo já vi, quem não viu tambor e mexer nos quatro elementos? Mexer em água não é novidade para a artista que tirou onda com a onda de tocar na banda, de sair feito selvática pelo mundo, num pulo. Assim como foi de Salvador a Recife a infância inteira e como artista de Recife a São Paulo e outras capitais do mundo com sua música autoral. Acima de tudo é uma compositora dos mais variados espaços artísticos. Na música, na letra, com a palavra ou com o traço.

Mas me deixe falar sobre Mainá, afinal também é musa ou Mênade, Bacante, e mutante, assim como Karina, Mainá, personagem de seu próprio livro, vai se metamorfoseando ao sabor dos tempos e dos humores do tempo, do clima: no começo da história está rodopiando no Jardim, logo no primeiro capítulo é possível ouvir as vozes que participam do enredo como quem nem saiu de casa, depois o peso dos mitos, das superstições, do rito. Da tesoura na cabeceira à canção dos pingos vestida de uma palavra mais que revestida de lendas e místicas muito pertencidas ao universo que a musa descobriu em sua jornada. Toró. De beber dessa água, artista e aventureira vão trocando de lugar nessa roda onde o vento faz a curva. De estação à paisagens que dão meia-volta volver. Da Argélia ao Portão. Tem até Banco de Piano.

Parada de ônibus, rua errada, luta livre, Para além da Mesa de Jantar, sonhos e pesadelos com cabeças gigantes e lanceiros. Tem festa cigana e casamento. Tem dia amanhecendo, lua lá fora, carne de charque, facão, vassoura e ladrilho, guarda-roupa e até roupa para mortos. Do fundo do quintal ao meio da avenida, de paraquedas. Tem Maternidade, elixir de formiga, outras personagens como Mariano, Dona Militana, Destita, Mirlínia. Uma pilha de gente passa por Mainá ou vira Mainá. Todo dia ela nasce de novo, perguntando as horas e em banhos de mar. Quer saber também sobre depois da morte, aliás, até já sabe, só sei que de muito Mainá sabe da vida e da morte, de viagem de avião e navio, de subir e descer ladeira a pé para trocar duas mariolas e um cigarro Yolanda pelo tempo de correr para a escola. Sejam muitas as derradeiras dessas primeiras histórias de Mainá. O livro _Mainá_ acaba de ser lançado pela Editora Todavia. É escrito por Karina Buhr.

E vamos combinar que é muito chata essa palavra: multiartista, Buhr é muito mais que uma palavra pode dizer com isso, deve haver em alemão, o fato é que Karina e Mainá mais são as metamorfoses porque a artista passa e porque passou para preservar as histórias e seu modo de ser artista neste país onde todo mundo é louco, menos quem tem que se manter trabalhando com Arte, com afinco, tendo foco, força, perseverança, pois não acorde cedo não no dia seguinte dormindo tarde para dar conta das multitarefas e logo a casa cai feito água do céu. Porque artista neste país só sabe mesmo é dessa certeza, do céu só cai é chuva e muita. Mainá é uma das Mênades e é todas elas. Todas as personagens que aparecem no livro vêm desse encontro com Mainá e vice-versa.

Versando como fez em traço leve a sua figura na capa, Karina vai tecendo a história de uma “tristeza leve”. O fato é que atravessa uma jornada de cento e trinta e três páginas e já tô errada em estar contando capítulos e transformando itinerário em contar os passos ou as casas puladas neste jogo de amarelinha. É um livro lindo. É uma escrita mar, tira é onda com isso de ser a gente e artista que vê e viu e vê o mundo começar e de novo e de novo ser o mundo inteiro, basta e fuçar na rede, balançar nos bites do punk rock ao teatro ou show, tirinete de forma que se transforma em coisa nova e sempre linda por demais do mesmo jeito, levando jeito para estar em todos estes lugares onde houver arte, Karina está assombrosamente rompendo barreiras.

Do título é bom dizer, só para quem cai de bobo ao ver que já da capa selvática a moça também foi tímida nos palcos ou compassiva até onde dava enfrentando o Mestre Salustiano que deixava a baiana rodopiar na ala das baianas até ela pintar e bordar um balé com o tambor pelos ares. Até nascer no Teat®o Oficina, como contou em entrevista, de um jeito amarrado e “tênis no pé”. Vim apresentar a leitura do livro e precisou tudo isso pois navegar é preciso viver não, porque conheço Karina faz tempo e conhecer Mainá é como encontrar de novo com a Karina. Que desde menina que conheço de tocar seu tambor e ir tocar na banda, de cantar sem medo: eu menti pra você e de descobrir com coragens de muito mulher mesmo que não existe o longe: o longe de onde? Uma coisa se sabe da musa, bacante, mênade, Mainá, nasce de um canto que pode salvar da dor, cresce rodopiando de carnaval em carnaval naquela cidade com nome de pedra que dá no mar e dá no mundo e só não é devota de santo nenhum porque reza nesta religião que abraça todo tipo de gente e gênero, teimando, que é a arte.

@georgia.alves1

Karina começou na música em 1991, em Pernambuco, tocando percussão nos maracatus Piaba de Ouro e Estrela Brilhante. Tocou na banda Eddie, Comadre Fulozinha, com Erasto Vasconcelos, Antônio Nóbrega, dj Dolores. Lançou os discos autorais Eu Menti pra Você (2010), Longe de Onde (2011), Selvática (2015) e Desmanche (2019). Atuou no Teatro Oficina entre 2000 e 2007. É atriz em Meu Nome é Bagdá, longa de Caru Alves de Souza, vencedor do prêmio do júri da mostra Generations, na Berlinale 2020. Em 2015 lançou o livro Desperdiçando Rima e em 2022, Mainá. Escreve e ilustra a coluna Geralmente, na Revista Continente online.

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