Já tive

Eugênia Câmara

Já tive dois anos, quando os sonhos não passavam do momento, do agora. Dormia sem sonhar, ou talvez sonhasse com momentos felizes. Pesadelos? Nessa época não era permitido.

A felicidade suprema era a festa de aniversário eternizada nas fotografias. E claro, os presentes que não podiam faltar.  Apesar de poucas lembranças dessa idade, recordo das colherinhas e garfinhos que me deram para brincar enquanto o fotógrafo tirava fotos. Me colocaram em cima de um móvel onde minha mãe guardava as louças finas – porcelana inglesa – dizia ela, pois o vestido tinha que aparecer, assim como a mesa exposta com garrafas de Pepsi-Cola devidamente ornamentadas.

Nesse período da minha vida as brincadeiras imperavam diariamente. Lembro de um vestido que tinha um bolsinho na frente onde eu guardava bolachas Maria. Ah, como gostava de come-las. Ainda gosto porque tem sabor de infância.

Quinze anos? Também já tive. Nessa época já sabia o significado de sonho e pesadelo. Alegrias e tristezas. A festa já era diferente. Rodeada de amigos, parentes e aderentes. A dona felicidade já começava a mandar lembranças. As fotos já não tinham o aroma de infância. Não tinha mais garfinhos, apenas caras e bocas carregadas de maquiagem e batom. Mas continuava a saga de mostrar o vestido. Só que de corpo inteiro, sem direito a sentar, nem para descanso.

A bolachinha, que antes era comida sem culpa, foi trocada por uma maçã. O refrigerante, por suco natural. A espontaneidade por sorrisos forçados. A fantasia por realidade e a brincadeira pela sobriedade.

Vinte e cinco? Também já tive. Só que nessa idade não era o vestido que tinha que ser mostrado, mas a toga. Os garfinhos foram trocados pelo diploma. A felicidade aparece para deixar um recado: missão cumprida. O sorriso das fotos é um desafio ao futuro. A menina transformou-se em uma mulher adulta mas, apesar disso, se dá o direito de voltar a sonhar como quando tinha dois anos.

E assim a vida vai passando, os garfinhos foram tocados por caras e bocas, diploma, filho no colo, animais de estimação, bengala e, por fim, um terço.

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@mecalves