“Gaiolas Selvagens”

“Gaiolas Selvagens”

 

Jaque Machado

 

Te vi no céu e te admirei selvagem. Te amei porque eras livre e tuas rectrizes exalavam cheiro de bando selvagem quando adejavas tuas asas. Te quis, te amei, te guardei em mil gaiolas, uma gaiola chamei amor. Fiz mais viveiros e cada um deles, todos eles, construídos para ti. Segurança. Estabilidade. Fidelidade. Muitos nomes, muitas gaiolas.

Te guardei para te ter nos dias amargos ao meu lado, para compartilhar todos os dias nossas alegrias e prazeres. Entramos nas gaiolas, nossas gaiolas. De repente nos vimos presos no escuro das barras de breves felicidades. Era o amor que conhecia, esse de construir coisas, de viver como um. Nunca mais o céu, nunca mais outros pássaros. Eu tinha medo de ser livre e nos fizemos prisioneiros.

E tu viestes com as tuas gaiolas, as tuas prisões, nos tornamos cativos um do outro numa cela de sensibilidades. E por causa do nosso amor estamos solitários e passamos a medir nossas tristezas e lamentamos nossas privações. Dentro da gaiola percebemos que este mundo é pequeno, apertado, cansa. As alegrias, cada vez mais sutis, ficam esmorecidas e tudo é cotidiano. Mesmo que seja a gaiola do tamanho do mundo, não há como escapar porque estamos presos ao amor e na mesma medida em que o tenho para mim, nos condenamos lentamente a desejar só quem éramos. E assim nos destruímos ao longo do tempo sendo um do outro, aniquilamos de amor nossos espíritos, ferimos nosso céu para amar e nos queixamos de apertos no peito e nos doemos de chorar abraçados de saudade de quem fomos. Estamos amargos e presos, mesmo que haja um quilômetro entre as barras, mesmo que possamos atravessar galáxias inteiras entre elas, estamos presos. O amor nos prende e não podemos mais correr porque não há chão suficiente para nós dois, somos de ar e não existem pares de solidões: a solidão é um e o nada. E se existissem solidões que se encontram, voaríamos de aflição, e de medo e terror, não querendo a solidão do outro, talvez nos tornaríamos desconhecidos em pleno voo, nos bicaríamos e assustados nos agrediríamos com nossas garras enormes. Eu te sangraria e arrancaria teus cálamos, tu destroçarias minhas rêmiges com a tua violência. Seria a solidão de novo, voaríamos, talvez, exatamente como voamos agora, desesperados e nos afligindo mutuamente, batendo e farfalhando nossas peles aladas, fracos para quebrar o viveiro, sabemos que não há espaço em nossa gaiola minúscula, não cabemos nela justamente porque nos amamos, estamos encharcados um do outro.

Talvez nem saibamos mais voar longe, nos céus, aonde éramos daquelas cores, livres nos mundos inalcançáveis sem barras. O mesmo ar onde um dia vamos belos hoje seria incapaz de sustentar nossas asas tortas, machucadas e atrofiadas e cheias de cicatrizes de tanto voarmos confusos, por anos, dentro de nossas delicadas jaulas de afeto.“

 

@jaquemachadoescritora

 

 

 

 

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