Frutar & A CAIXA-PRETA

Dois livros por mês: Frutar, de Rizolete Fernandes & A caixa-preta, de Geórgia Alves

 

Patricia Gonçalves Tenório

 

Dezembro, 2021

 

Durante seis meses, de agosto a dezembro de 2021, escrevi sobre “Dois livros por mês” nesta coluna. Foi um desafio a que me propus, após encerrar a escrita do material de apoio do curso gratuito e on-line “Os mundos de dentro”, curso este participante dos “Estudos em Escrita Criativa” o qual totalizou vinte e oito módulos.

 

E, não por coincidência, apresento breves resenhas de dois livros que estavam há muito na minha cabeceira aguardando uma leitura atenciosa. Porque, após ler os clássicos da literatura mundial e brasileira, debrucei-me nos contemporâneos, e, entre eles, em Frutar, de Rizolete Fernandes e A caixa-preta, de Geórgia Alves.

 

Comecemos por Frutar. O livro de poemas da cientista social, feminista e poeta nascida em Caraúbas, RN, e residente em Natal, Rizolete Fernandes, é, no mínimo, curioso. Após a leitura de As frutas na medicina doméstica, deAlfons Balbach, Rizolete nos presenteia com uma seleta de quarenta poemas-frutas que frequentam as nossas mesas e aguçam o paladar de amantes da poesia e de outras artes. De uma forma que poderia muito bem ser escrita em prosa erudita, Rizolete nos guia pela origem das frutas nacionais e importadas, frutas que nos curam de inúmeras formas e nos alimentam, assim como os versos de um poema bom.

 

A baga carnosa tem forma elíptica dotada de cinco gomos separados; cortada em transverso pare estrelas.

[…]

Pequena árvore da família Anonáceas, a Anona reticulata (folha áspera máculas purpúreas) contém madeira fibrosa e macia à construção civil destinada.

[…]

As sementes do sapoti em decocção após trituradas são boas diuréticas e aperientes, igualmente as cascas d’árvore: febrífugas e adstringentes.

Enquanto isso. O livro da jornalista, cineasta, professora e ex-modelo pernambucana, nascida em Recife Geórgia Alves, A caixa-preta, nos desafia do início ao fim da sua leitura. Narrando a história de Évora, secretária, ex-modelo, e fotógrafa, passeamos pelas ruas do Recife, durante a pandemia de Covid-19. Passeamos quando conseguimos adentrar em sua floresta labiríntica de axiomas, e filosofia, e trechos de músicas, e ditados populares, e indicações eruditas.

Quando conseguimos. Adentrar em sua floresta labiríntica, tal como a bíblia de Guimarães Rosa, Grande sertão: veredas, ou mesmo a pulsão narrativa do livro de uma das escritoras mais veneradas por Geórgia: Clarice Lispector em Água viva.

Da mesma forma. Que nos preparamos para Guimarães em Grande sertão, nos desprendendo do significado das palavras para mergulhar no significante (também) de Clarice em Água viva, nos desarmamos, e podemos sorver versos-frases-axiomas que nos transformam por inteiro e nos fazem ser pessoas-escribas melhores.

A arte organiza a gente desde dentro.

[…]

“Amor é casas separadas”.

[…]

Porque se não houver Arte, a realidade me devora, Bio.

[…]

O poeta [Drummond] ensina remover a pedra. Ensina a viver?

[…]

O mar do mundo no peito.

[…]

Fui Pandora. Virei Antígona. Serei Atenas.

A matéria dá origem ao sentimento ou é o contrário?

Ao mesmo tempo. Técnicas refinadíssimas de escrita criativa: transposição para a linguagem de características de personagens; intergenericidade com trechos de músicas, entre elas, “Mama África”, de Chico César; diálogo entre a literatura e outras áreas de conhecimento, outros pensadores, tais como Friedrich Nietzche, Santo Agostinho, Roland Barthes, poetas e escritores, tais como Elizabeth Bishop, Manoel de Barros e… Eu! Porque Geórgia me advinha inteira, transcreve a cena da ligação anônima narrando a traição da pessoa amada, e é uma cena vivida, e sofrida, e sublimada pelas artes que nos une, que amamos: a literatura e a poesia.

As palavras. Faltam para (eu dizer a) Geórgia. Faltam para (eu proferir a) Rizolete. Essas duas monstras-sagradas-escribas, do tempo em que poeta era profeta, era lei maior e conduzia quem estivesse no fundo do poço da vida real a transcendê-la através e graças à catarse literário-poética.

Ao menos uma. Palavra. Obrigada. E secam as letras. E não se conjuram mais espaços entre as escritas. Apenas a certeza, inexorável, de que não estamos sós.

 

@georgia.alves1

 

 

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