PELOS QUINTAIS…

PELOS QUINTAIS

Pedro Santos

Quando criança, a gente fazia coisas que hoje não seriam aceitas pacificamente, dariam até caso de polícia. Falo do tempo em que a gente andava pelos quintais das casas alheias para roubar frutas. “Roubar”?… seria um termo muito forte, até inapropriado para aquelas nossas aventuras: o mais certo seria dizer “apanhar frutas”. Era muito fácil: os quintais nem tinham cerca direito, às vezes apenas alguns fios de arame farpado, ou, quando bem tapados, eram cercados de bambus. E destes bambus a gente até arrancava alguns de vez em quando para fazer “papagaios”, o que hoje chamam de pipas. Alguns desses locais, onde matávamos nossa gula frutífera, estão bem vivos em minha memória. Quando minha avó Izabel (a Vó Bela) ainda morava na casa que meu pai depois acabou comprando da família, na divisa do centro de Itaúna com o bairro de Lourdes, bem de frente ao posto de gasolina do “seu Bonsuet” (um dos primeiros da cidade), os dois quintais vizinhos, o do “seu Antônio Carroceiro” e o do “Lauro do Jubito” ( este mais apetitoso) eram mais frequentados por nós do que propriamente o de minha avó. No quintal de nossa família não havia quase nada… só uns dois pés de manga comum e umas outras frutinhas mixurucas… pouca coisa mesmo. No do “seu Antônio”, a gente derrubava e recolhia “manga doce de leite”, uma delícia! Já no nosso “pomar principal”, o do “Los Jubitos”, além dessa saborosa manga, havia outras à nossa espera: manga espada, coração de boi, adem… sem falar nas goiabeiras e nos pés de ameixa! Tais incursões exigiam rapidez: era entrar, apanhar as frutas e voltar para o nosso território, no lado de cá da fronteira… sãos e salvos. Não foi uma só vez que o próprio “seu Lauro” (que não era nem tão novo) saiu correndo atrás da gente, quintal abaixo… e de terno (sinceramente… não me lembro dele com outro traje em vida). Certa vez, ele surgiu enfurecido, empunhando uma “colher de pedreiro” que, em meio às sombras das árvores, dava a impressão de ser um revolver, o que nos fez sair em desabalo como coelhos fugindo de lobo. Teve dia que seus filhos tentaram nos “constranger”, quando a gente saia da casa de nossa avó com o balaio cheio de mangas. Eles ficavam no alpendre, que era divisa com a casa de minha avó, e alguém falava lá de cima, com ironia e deboche: “Uai, no quintal da dona Izabel não tem manga doce de leeeeite… cumé que ocês encheram esse balaio?!” A gente fingia que nem escutava… e saíamos de fininho… pra looonge daquela gente egoísta!. E lá fora, pelas ruas da redondeza, vendíamos boa parte dessas mangas “apanhadas”, saboreando apenas as que sobravam de nosso empreendimento comercial. Um cliente preferencial nosso era o “Sr João Tiofi” (devia ser Teófilo… mas ninguém sabia disso). E muitas vezes usávamos uma malandragem com o “Cará de 10” (esse era o apelido do Sr. “João Tiofi”… não sei porquê): quando as mangas estavam verdes ou pouco maduras, batíamos com elas em um tronco de árvore qualquer, para que ficassem macias e parecessem maduras. Ele sempre caia nessa. Não era maldade… era só a alma do negócio! Havia também um outro quintal, perto da casa dos meus pais… ah, este sim, era o paraíso! Lá encontrávamos uma infinidade de frutas, que nem vou lembrar todos os nomes! Manga de todo tipo, em mangueiras gigantescas! “Pitanga, morango, goiabas variadas, jambo, ameixa, laranja, mexerica, abacate, fruta do conde, muitas e muitas outras… e um “pé mágico de carambolas”… que ficava no lugar mais perigoso: pertinho da casa dos donos, o “seu Olce Lima, a Dona Laís e seus filhos Grayson e Ricardo” (que eram até nossos amigos nas ruas do bairro). O senhor Olce era genro de “Dr. Lincoln”, um antigo e bondoso médico de Itaúna, que morou ali antes deles. O quintal da casa só terminava perto do Rio São João… ah, como era grande! Praticamente nunca aconteceu nada de sério conosco nessas nossas perambulações em busca dos “frutos proibidos”. Também pudera, a gente tinha uma oração poderosa, que a meninada sabia de cor e rezávamos fervorosos, em fila indiana, até encher a boca de frutas… e também os bolsos e as camisas em forma de sacolas: “São Bento, água benta, Jesus Cristo no altar, arreda bicho, arreda cobra, pro filho de Deus passar!” Era uma reza infalível! Percebem que a gente nem pedia para nos livrar dos donos dos quintais, tamanha era a nossa confiança na tolerância deles?! Mas se a gente não aparecesse para apanhar essas frutas, a maioria cairia de maduro e apodreceria no chão. Isso sim seria pecado, todos nós sabíamos disso! Mas teve um primo meu… encapetadinho como ele só, que não sabia essa nossa prece protetora! Era o “ Zé Carlos”… irmão do “Fábio Japonês” (do qual já devo ter falado dele por aqui… ou ainda irei falar). Sem rezar nem nada, o Zé Carlos, inocente e atrevido, quis comer da fruta mais cobiçada (que poderia ser comparada àquela que fez o “Criador” amaldiçoar Adão e Eva no Paraíso): a “carambola”! Estava lá o pobre menino, imprudente… com a boca cheia da pecaminosa fruta… os olhos brilhantes, lotando os bolsos, quando aparece, sem mais nem menos… o “Tigre”: membro de uma raça canina que poderia ser equivalente aos “Pit bull” de hoje… e já foi logo abocanhando as pernas finas de meu distraído primo (disseram os donos que teria “escapulido” do canil…não sei!). A sorte foi que os outros meninos do “grupo de apanhadores” começaram a jogar coisas no cachorro… que acabou soltando o Zé Carlos, com boas mordidas nas pernas e na sua bunda magra. Saíram todos dali correndo como foguetes atirados ao chão, levando o ferido resgatado para sua casa, do jeito que deu… onde os curativos foram feitos, como era comum naquele tempo: tiras de pano velho, água com sal, picumã, algumas plantas e mercúrio merthiolate (se as condições financeiras permitissem). Mas ficou por isso mesmo. Considerou-se apenas como um lamentável “acidente de trabalho” de nossas andanças. E não pense que esse incidente mudou nossa rotina, pois, logo logo já estávamos de volta para socorrer as frutas de caírem e se espatifarem no chão poeirento dos quintais alheios. Mesmo correndo o risco de ter que fugir do “Tigre” ou de outro cachorro malvado, ou de levar um “tiro de sal” nos fundilhos, atitude cruel de alguns sádicos proprietários (proprietários? …essa palavra, para nós, não era muito familiar naqueles tempos)… continuamos nossa luta em defesa dos “pomares abandonados”. Tudo sempre daria certo… era só fazer nossas orações com muita fé… e uma santa gula! Depois de cada inserção nos territórios das frutas sagradas, a gente sentava em algum outro lugar para saborear as que não comemos debaixo dos pés. As bocas sujas de manga ou qualquer outra fruta e também as mãos, que ficavam à milanesa, com a poeira dos caminhos… que nos levavam sem perigo aos nossos quintais abarrotados das guloseimas divinas. Depois…era só dormir e sonhar com o dia seguinte.

(Esta história faz parte de minhas anotações pandêmicas, “PUXANDO PELA MEMÓRIA”, que vai reunindo o que me lembro de mim mesmo e dos meus).

@opedrosantosde

 

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