CÉSAR DE ALENCAR, O BARÃO VERMELHO.

CÉSAR DE ALENCAR, O BARÃO VERMELHO.

Antonio Pimentel

Conheci o César antes de entrar na universidade. Tínhamos um amigo comum. Passei a conviver com sua característica central: a loquacidade. Ele era um polemista veemente, exagerado, falava aos borbotões. Na UFMG, na segunda metade da década de 1970, convivi com o César militante. Um militante avulso, independente, sem vínculos com as tendências políticas do movimento estudantil.

O nome era uma homenagem ao radialista César de Alencar. O apelido, Barão Vermelho, ele conquistou na UFMG, onde frequentou, sem concluir, os cursos de Física e Economia. César cultivava com gosto a fama de burguês esquerdista ou nobre comunista. Vivia duro, mas não perdia a pose. Desdenhava o mimetismo operário-popular da classe média militante universitária. Criticava o sectarismo, o dogmatismo e a estreiteza política das tendências estudantis. Suas intervenções em assembleias e reuniões terminavam em enfrentamentos estéreis, brigas e até com sua expulsão do recinto.

Ao final de uma das campanhas acaloradas pelo comando do Diretório Acadêmico da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, a Fafich, quase um soviete, uma tendência que se dizia trotskista venceu a disputa. Seus integrantes, no saguão da faculdade, punhos cerrados, gritavam um slogan que terminava com a frase “bravos soldados de Leon”. Cesar subiu numa mesa e gritou repetidamente: “Testemunhas de Jeová!” Foi vaiado. Tirou as calças e mostrou a bunda para todos. Na hora, ficava colérico. Depois, ria de montão. Era um provocador, um franco-atirador.

Os debates promovidos pela universidade eram terrenos de atuação de César. Guardo dois desses momentos. Ele polemizando com o professor Fernando Henrique Cardoso, que o ouviu com aparente calma, respondeu suas indagações, e bateu papo com ele no corredor. O segundo embate foi com a professora Maria Conceição Tavares, famosa pelo sangue quente, língua solta e atrevimento. César insistia com seus comentários, atazanava a mulher e ela perdeu a paciência: “Afinal, quem foi convidado para fazer uma palestra aqui, eu ou você?” César respondeu: “A senhora, mas aqui é um espaço de debate. Eu só estou debatendo com a senhora.” Dona Conceição sorriu, fez com as mãos um gesto do tipo “vá se danar” e seguiu com sua explanação.

César criou uma empresa de consultoria, a Mercúrio. A empresa era informal e resumia-se a dois elementos: um cartão e o César. A proposta era simples: os amigos pagavam uma mensalidade e recebiam, presencialmente, suas análises de conjuntura política e social. O serviço era prestado de preferência em bares ou restaurantes, com comidas e bebidas a cargo do contratante. César me explicou seu método de trabalho: presença ativa em todos os espaços da cidade. Ver, ouvir, sentir e analisar diversos ambientes sociais para compor uma visão integrada dos movimentos do país. “Frequento a Rua Guaicurus (a zona de Belo Horizonte) e a Federação das Indústrias, ouço putas e empresários. Comprei até um terno para ter acesso a alguns ambientes da cidade. Sinto a pulsação da sociedade.” A empresa não prosperou. Para sobreviver, César era professor de um dos bons colégios de Beagá.

César morreu assassinado. Um segurança de uma agência da Caixa Econômica Federal o matou com um tiro no rosto. O crime aconteceu à noite, na entrada de uma festa promovida pela Caixa. César, provavelmente em busca de elementos para sua consultoria, teve um atrito com o segurança e foi morto. O crime repercutiu em Belo Horizonte, manifestações de pesar e repúdio. Soube da notícia pelos jornais, logo cedo. Uma pena a morte do nosso Barão Vermelho.

Nada justifica o assassinato de César, mas alguns amigos têm uma visão ainda mais trágica do episódio. César era um suicida em potencial. Consciente ou não, ele esticou a corda no enfrentamento com um homem armado. O segurança foi instrumento de um ato que ele não conseguia executar. É uma tese possível.

Uma tarde, na rua, César me mostrou uma árvore seca e disse: “Não há nada mais triste do que uma árvore seca.” Há muitas coisas mais tristes. A morte de um bom sujeito é uma delas.

@antoniopimentelbh

 

 

 

 

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