Adeus

Adeus

Eugênia Câmara

Chove lá fora. Olho pela janela da sala e, confesso, fico um pouco triste. As árvores choram também desprendendo dos seus galhos lágrimas com gosto de saudade.

Minhas lembranças voltam até a infância, a adolescência a maturidade e a velhice. Essa, difícil de aceitar. Sessenta anos. Já começo a trilhar pela estrada onde, normalmente, ninguém quer andar. Mas é a vida.

Não sei se Deus cruzará meu caminho hoje ou daqui a trinta anos. Não sabemos. Mas se por ventura, hoje, ficasse cara a cara com ele, me encheria de coragem e pediria a ele um último desejo. O não (Dele), eu já tenho, o sim, será um brinde.

E então, com toda a coragem adquirida ao longo dos anos de vida, pediria a ele:

-Deus, será que o Senhor me concederia uma última dança com meu pai? Gostaria que ele visse, através de cada volta os fatos da minha vida que ele não pode ver por ter ido embora, para nunca mais voltar, muito cedo.

Em devaneios, pedido aceito. E então, me vejo num salão de baile onde meu pai aparece de Black Tie, com seus olhos azuis e me convida para dançar. Eu, quinze anos com vestido de baile. Começamos a rodopiar pelo salão, ao som das quatro estações de Vivaldi.

No salão espelhado quando me olho, já estou com minha toga – formatura. Mais uma volta e me vejo de bata hospitalar – nascimento da minha filha. Outra volta e outra bata hospitalar – nascimento do meu filho. Mais uma dança e estou com roupa do dia a dia. Minhas lágrimas escorrem – minha mãe partiu. E nos momentos finais da valsa, me vejo com roupas usuais e com uma vasta cabeleira branca, contrastando com sua calvície que já havia dado seu sinal. A dança termina. Ele me beija na testa e vai embora.

Nesse instante, abro meus olhos. Será que foi um sonho ou dancei com meu pai? Não sei, mas se tiver que partir, rodando no salão com meu pai não será uma má ideia.

@mecalves

19460cookie-checkAdeus

2 comentários sobre “Adeus

Deixe comentário

Seu endereço de e-mail não será publicado. Os campos necessários são marcados com *.