A AULA QUE EU NÃO ESQUECI

A AULA QUE EU NÃO ESQUECI

Antônio Pimentel

O título desta crônica eu peguei emprestado de um articulista da revista Veja. No caso dele, a aula inesquecível foi na FGV e tratava do desafio de olhar um problema com a mente aberta, capacidade de enxergar seu cerne e as variáveis para sua solução. Uma aula para aprender a discernir. Li o título e gostei do desafio.

Lembrar minha aula inesquecível foi tarefa fácil, quase imediata. Fui aluno salesiano. Fiz parte do antigo curso ginasial no Liceu Salesiano, em Belo Horizonte, que alcancei em processo de transição: o fim do internato e a implantação do externato, com a atuação de professores leigos. O Liceu era um colégio atraente, arejado, com bons professores, esportes, práticas e vivências, mas sua mensalidade era cara, eu tomava “bombas”, mais filhos chegaram à idade escolar e eu fui para o Colégio Estadual, bom e público. Fomos todos. Eu e meus irmãos somos crias do ensino público.

A aula inesquecível foi de Ciências. O professor era leigo e, lamentavelmente, não me lembro do seu nome. O sobrenome era Torres. Um homem alto, forte, sempre de guarda-pó branco. Um professor boa praça, o que era um risco enorme. Nós, alunos, víamos o professor amistoso e sem severidade evidente como um cara sem firmeza, frouxo. E abusávamos. Lembro-me de uma das nossas molecagens: pegávamos montes de grilos no campo de futebol para soltar na sala, durante a aula. Alvoroço e desrespeito.

O professor de Ciências era vítima da empáfia que, muitas vezes, toma conta dos alunos. Arrogância e irresponsabilidade marcavam a vida de muitos estudantes da minha sala, um mal persistente nos dias atuais. E o pobre professor de Ciências era alvo predileto. Suas aulas viravam festivais de chacotas. Até que ele resolveu colocar limite na turma.

Num dia de prova, depois de uma bagunça nossa, ele exigiu que o bagunceiro, alguém que atirou um objeto no quadro, se apresentasse. Silêncio geral. Ficamos assustados com a firmeza de um professor que julgávamos incapaz de endurecer o jogo. Ele endureceu e exigiu uma resposta. Carlos, um colega sentado na minha frente, levantou a mão.

-Fui eu, professor.

-Sua nota na prova é zero e agora você saia da sala e aguarde no corredor o padre inspetor.

Eu, bagunceiro silencioso, não me contive e soltei sem querer uma frase:

-Isto é sacanagem!

O professor parou, olhou para mim e para a sala, e nos deu um sabão. Guardei alguns trechos, creio que o principal: “Sacanagem é o que vocês fazem comigo e com vocês mesmos. Venho aqui trabalhar e meu trabalho é ensinar. Vocês estão aqui para aprender. É o trabalho de vocês, custeado por pais que arcam com a mensalidade de um colégio caro. E o que fazem vocês? Vocês me desrespeitam, desperdiçam o tempo de aprendizagens e o dinheiro dos seus pais. Sacanas aqui são vocês.”

O sabão do professor seguiu por aí. Ele não gritou, não alterou a voz. Ouvimos calados. Não me lembro da sequência de aulas com o professor de Ciências. Não sei o que conversamos depois. Seguimos a vida. Só sei que nunca me esqueci daquela aula. E sempre reconheço que o mestre tinha razão. Aula de Ciências, educação e formação de valores. Um dia de constrangimento e reflexão.

29/01/23

@antoniopimentelbh

 

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