VIVER BEM, A MELHOR VINGANÇA.
(Ilustração- Vaso com flores, Guignard)
VIVER BEM, A MELHOR VINGANÇA.
Antônio Pimentel
Há muito tempo, aprendi um provérbio atribuído aos espanhóis: “viver bem é a melhor vingança”. Gostei e repito essa máxima muitas vezes, com uma cautela. Minha prudência é com a vingança, que os dicionários definem como “ato lesivo praticado, em nome próprio ou alheio, contra uma pessoa, para vingar-se de ofensa ou dano causado por ela; desforra, represália, revanche, vendeta”. Acho arriscado atar uma vida feliz à desforra. Não existe vingança melhor ou pior; a vendeta não vale a pena. É fardo pesado. Procuro atenuar esse vínculo danoso.
Sempre digo que a vingança alardeada no ditado não é contra ninguém. Não é pessoal. É reação contra as mazelas da vida, represália contra a morte inevitável. Já que estamos condenados à finitude, viver bem é a nossa volta por cima, um triunfo. Digo também que não se trata de uma vingança azeda, figadal. É um posicionamento de afirmação da vida, que deve ser fruída com alegria e prazer, transbordando a perspectiva individual e contagiando outras pessoas e comunidades.
Atribuo essa ênfase vingativa ao sangue quente dos espanhóis e ao fatalismo imputado aos viventes ibéricos. Diante do inexorável, a raivosa retribuição. Empreitada de risco. Procuro compreender e abrandar o sentido literal do dito. Busco caminhos para afirmar a vida prazerosa e fugir da vingança, do seu amargor e possível consequência: o remorso.
Viver bem é nossa vocação de humanos, mas não é tarefa fácil. Em sociedades profundamente desiguais, o desafio é pesado para muitos. Mesmo assim, seguimos em busca da vida generosa. Momentos de felicidade e plenitude iluminam nossa jornada. O nascimento de um filho. Um amor risonho. A entrega de um trabalho bem-feito. Bater pernas pelas ruas de Paris ou Tiradentes. Beber um bom vinho. Uma mesa de bar com amigos, conversas e risadas. Uma noite tranquila de sono. Tomar banho de cachoeira. Caminhar no fim de tarde. A família reunida e feliz. Um gostoso prato de comida.
Todos nós temos o direito de experimentar bons momentos. Viver está nesses pequenos e grandes prazeres. É a soma deles que dá a dimensão de uma vida. Criar e cuidar de pequenas moléculas de paz e prazer é o caminho. Não existe outro. Não é preciso investir em vinganças. Viver bem é o melhor destino.
Reparo muitas pessoas repisando momentos ruins de suas trajetórias. Conheço gente que acalenta ressentimentos mofados e desejos antigos de desforras. Perda de tempo. Desperdício de energia vital. É preciso largar essas tralhas para trás. É sempre tempo de abandonar o azedume e buscar uma perspectiva temperada e aprazível na vida. É clichê, mas faz sentido: a vida gosta e sorri para quem gosta dela.
Perguntada sobre o que era viver bem, Cora Coralina, dentre outras coisas, disse: “Procuro semear otimismo e plantar sementes de paz e justiça. Digo o que penso, com esperança. Penso no que faço, com fé. Faço o que devo fazer, com amor.
Eu me esforço para ser cada dia melhor, pois bondade também se aprende. Mesmo quando tudo parece desabar, cabe a mim decidir entre rir ou chorar, ir ou ficar, desistir ou lutar; porque descobri, no caminho incerto da vida, que o mais importante é o decidir”.
Leio Cora Coralina e afirmo: viver bem é decisão e aprendizado. A melhor decisão. O melhor aprendizado. Que a vida seja risonha para todos nós! Com flores.
28/08/22
@antoniopimentelbh