UMA COMUNIDADE DE SENTIDO
(pintura de Antônio Poteiro)
UMA COMUNIDADE DE SENTIDO.
Antônio Pimentel
Há bom tempo, uma amiga publicou um texto com reflexões sobre pessoas que ela não conhece pessoalmente e com quem passou a se relacionar pelo Facebook, Instagram e Twitter. Ela destacou a sensação de ler opiniões e pensamentos cotidianos de quem não conhece ao vivo. Falou em familiaridade sem intimidade. E criou situações de possíveis encontros com essas pessoas aproximadas por afinidades, sem proximidade física, mergulhadas no profundo azul das redes sociais. Estou, com alegria, entre os encontros projetados. Dividimos um Uber em alguma cidade brasileira. Temos sintonia.
Escrevo pensando nos novos encontros e relacionamentos que surgem mediados pelas redes sociais. São fortes, muitas vezes. Hoje em dia, pessoas que não conheço ao vivo são interlocutoras fundamentais no meu cotidiano. Diariamente, recebo saudações, vejo belas imagens, leio contos, poemas, crônicas, reflexões sobre política e comportamento. Conheço lembranças, angústias e alegrias. Compartilho textos, opiniões e memórias. Recolho manifestações que valorizo profundamente. Gosto dessa teia de gente que gosta de conversar, debater e compartilhar.
Um amigo recém-chegado publicou um texto sobre a beleza das mulheres e uma debochada margem de erro no resultado da pesquisa. Ri muito. Outro amigo contou que é dia de sua quimioterapia. Desejo-lhe força e sucesso no tratamento. As mudanças políticas mexem com quase todos. Meu café matinal é marcado pelo “bom dia!” de amigas que abrem a manhã com simpáticas mensagens. Tem gente que vai viajar. Tem gente quieta em casa. A derrota na Copa ainda é assunto. E muito mais. Presenças de gente que não conheço pessoalmente iluminam meu dia.
(pintura de Antônio Poteiro)
O que é isso, companheiro?! É uma comunidade diferente, que não tem a marca da contiguidade. Não temos relações de vizinhança. Na maioria das vezes, não temos encontros pessoais, profissionais, militantes, ociosos ou de qualquer tipo. Não é por aí que se define nossa existência. Convivemos, temos relacionamentos diários, conversas e trocas. Temos pontos de convergência, e nem tanto. Pontos que são amálgama para esse conjunto de correspondentes. Mas que comunidade é essa, a nossa?
Uso um conceito do filósofo e educador colombiano Bernardo Toro para tentar compreender essa nova formação social: constituímos uma comunidade de sentido, aquela que ganha vida quando pessoas, grupos e organizações, em pontos distintos do país, sem convivência presencial, comungam ideias, propósitos, percepções, e empreendem ações de mudanças individuais, grupais, comunitárias. Atuam na busca de propósitos comuns, com interpretações e juízos compartilhados. Não falo de revoluções. Falo de mudanças moleculares. Mudanças de opiniões e atitudes pessoais. Mudanças que vão aos poucos se manifestando na consolidação de grupos de interesses. Gente compartilhando e debatendo, criando um horizonte de referência comum. É um investimento complexo, mas possível.
Uma comunidade de sentido nasce assentada em objetivos comuns, intercâmbios regulares e ações convergentes. Ações que, por vários caminhos e em muitos lugares, podem contribuir para a criação de uma ordem social distinta. Participamos de redes sociais com o objetivo de usar a informação de maneira responsável, com foco no benefício próprio e coletivo. Há de tudo nas redes sociais, reconheço. Aposto e invisto na formação de uma comunidade saudável, solidária, idônea. É o sentido que encontro e compartilho por aqui. É o que vale a pena perseguir e perseverar.
Uma reflexão crítica sobre a Justiça brasileira. Debates sobre as mudanças políticas e seu impactos nos próximos anos. Uma mordaz gozação sobre política ou costumes nacionais. Uma bela crônica sobre avós e a vida em outra época. Uma avaliação precisa da nossa imprensa. Tudo isso cria sentido e contribui para a tessitura de uma rede de relacionamentos. Na maioria das vezes, não vamos ter encontros pessoais. Seguiremos neste terreno diferente, com um jeito novo de conhecer e conviver. Podemos seguir unidos e produtivos. É minha aposta.
Uma hipótese e uma pergunta: se o Facebook e outras redes socais acabassem amanhã e nossas conexões fossem apagadas, o que isso significaria para vocês? Eu lamentaria e sentiria muita falta dos amigos virtuais. Seria um dia de perdas e lacunas. Perdas de pessoas amigas e de sentidos compartilhados.
@antoniopimentelbh
01/01/23