Tudo tem um novo início
Tudo tem um novo início
Raul Tartarotti
Sandro botticelli se chamava Alessandro Di Mariano Di Vanni Filipepi, apelidado por seus irmãos de pequeno tonel, ou seja, “botticelli”. Mas ele não sofria com esse booling renascentista, preferiu ocupar-se pintando quadros magníficos. Um deles chamou de “Mapa do Inferno”, pintado há 500 anos, contém nove círculos que descrevem a caminhada do próprio Dante, no poema ” A Divina Comédia”. Seu guia espirituoso foi Virgílio, poeta que ele admirava muitíssimo. Os poetas têm a magia da palavra que ajuda a colorir vidas. O famoso quadro mostra na tela nossas mazelas, e a humanidade em cada andar, rumo ao seu claustro fervente. No círculo número 9, o mais fundo e degradante, encontram-se os condenados, presos, traidores da pátria, e a figura de Lúcifer, que curiosamente é gelada. Lá podemos incluir todos punidos que traíram seus parentes, mentirosos, ratos e indiferentes aos que pela rua ainda circulam.
E foi de um lugar muito semelhante a esse que o norte coreano Shin Dong-hyuk conseguiu escapar em 2005. Ele nasceu e cresceu em um campo de trabalhos forçados (Campo 14), na Coreia do Norte. Um complexo destinado a manter presos políticos e seus parentes. Ele viveu seus primeiros 23 anos como se estivesse no círculo 9 de Botticelli. Lá todos são tratados como escória, não existe acesso sequer à doutrinação ideológica – o que incluía os ensinamentos do Líder Kim Jong Il. Trabalham de 12 a 15 horas por dia, em minas de carvão, fábricas e fazendas, por vezes em situações de risco, até encontrarem a morte em execuções sumárias, acidentes de trabalho ou doenças. Quem nasce no Campo 14 está condenado à prisão perpétua por conta dos supostos delitos cometidos por seus antepassados. As crianças aprendem a sentir vergonha de seu sangue traiçoeiro e a “lavar” sua herança pecaminosa delatando os próprios pais. De lá, ninguém foge, Shin foi a exceção. Ele sobreviveu às cercas eletrificadas, e mesmo sem conhecer ninguém no mundo exterior, deixou pra trás a Coreia do Norte. “Não é a vida que vai lhe dizer o que você quer ser. É você que vai dizer pra vida o que você vai ser”.
Mas, além das cicatrizes das torturas que sofreu, ele também carrega consigo as marcas de uma infância sem amor, compaixão, afeto e carinho. Sua fuga virou livro “Fuga do Campo 14”, escrito pelo jornalista Americano Blaine Harden, que revela com detalhes o cotidiano árido e sem perspectivas dos prisioneiros políticos na Coreia do Norte.
Certas pessoas constroem suas vidas em torno de seus prazeres, muito intensos e diários. Outros na busca exclusiva de sua sobrevivência. Se erguem com nobreza e grandiosidade, como em uma exposição de quadros, cada sala um evento diferente, rico, colorido e único. E no final, aquele conjunto exposto a todos, vai mostrar como decidiu viver seus dias.
Por vezes, o preço é alto para aqueles que acabam falindo ante as exigências da existência, como compensação tudo tem um novo início, a quem encara com potência de vida, e por isso acaba por colher resolutas satisfações ao final.
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Muito oportuno sua crônica, uma metáfora do que ocorre nas relações de dominação humana, não importa se ditaduras capitalistas ou “comunistas”, nenhuma está acima de qualquer suspeita. Um homem subjugar, explorar, coisificar o outro é um crime hediondo, mesmo que “não vejamos” assim quando somos nós que fazemos é não os outros.
Parabéns.