Sem máscaras nem fantasia. Só dor e riso

(quadro de Vicente do Rêgo Monteiro)

 

Sem máscaras nem fantasia. Só dor e riso

Por Geórgia Alves

A interface da Poesia – e do Carnaval de Pernambuco, mais especificamente Bezerros, com seus Papangus – sobre a escrita realista, objetiva, contundente e surpreendente, sem esquecer de que o leitor é quem, em parte, escreve um conto e aumenta um ponto. Talvez esta seja a melhor maneira de descrever o que acontece no processo de catarse das nossas infelicidades e contradições, de incompletudes e vazios, provocado pela literatura de Joseilson Ferreira. Papangus e outras máscaras (Editora Patuá, 2022) do autor nascido em Bonito, habituado à Poesia, que se aventurou pelas engrenagens contemporâneas da narrativa curta.

Aliás, o micro conto é tão popular nos dias de hoje quanto as personagens do Carnaval. Graças ao escritor Marcelino Freire que desafiou encontrar inteireza da palavra em suas descontinuidades, no faiscado do Twitter. Cenas, capítulos, personagens entregues na conta milimétrica ao leitor pela Literatura de Ferreira soam como na forja, no contorcer do fel das nossas amarguras requer um tempo próprio. O tempo do fogo.

Das ladainhas – dedicadas ao próprio Marcelino Freire, também a Raimundo Carrero e Ronaldo Correia de Brito – Joseilson recupera o tempo em que precisava acompanhar a avó e o tempo dela. O sono dela. A hora de apagar a luz quando o jovem menino ansiava por ver os programas de televisão, a janela possível para sair da mesmice de uma cidade do interior e seus rígidos hábitos. O menino, embora crescido, continua existindo no homem que priorizou a Literatura e os aprendizados da escola.

Nem as ameaças da avó afastaram o autor das lembranças deste tempo, do radinho de pilha e do modo afetuoso da avó de ralar com o neto. Um jeito cheio de cuidados, no entanto, não menos revelador do que a apoquentava no garoto que não lavava a pilha de pratos sobre a pia, uma entre tantas obrigações da cuidadora daquele futuro homem de família. Relar, amorfinar, judiar, verbos que não distam do imaginário de quem cresce no interior do Nordeste, nem com toda correção e novas formas de pensar a língua e o mundo.

Um mundo dividido, antes mesmo da pandemia, Joseilson viu povoado de máscaras. Não as que protegeram contra males do vírus, mas as que se usa para obnubilar sentimentos. Para disfarçar a indiferença com o presente dos vivos. Porque o passado e futuro dos mortos a Literatura até vem cuidando depois que expandiu horizontes, no formato do livro digital ou no breviário modo do microconto. Forma literária mais acessível que o mestre Raimundo Carrero estimula entre aprendizes da oficina. A criação literária, como em qualquer outro mecanismo do mundo, passa por transformações, revoluções, adaptações.

Como qualquer outro setor que emprega trabalhadores, o livro apresenta nova face. Papangus e outras máscaras não esconde suas facetas mais nuas e cruas. Pasme, chega a despertar prazer diante da culminância da dor. Talvez seja este o último recurso, tudo que do verbo nos reste. Rir de nossa própria fatalidade e no lugar de vestir uma fantasia, saber do que nos espera depois de todo cúmulo das sensações. Bem depois da fantasia. No lugar mesmo do pensamento e da forma rígida que desperta o riso.

@georgia.alves1

 

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