“SEM DEUS, NEM TENTE.”
“SEM DEUS, NEM TENTE.”
Antônio Pimentel
Não sou um deísta. Não sou religioso nem adepto de qualquer organização religiosa. Com relação a Deus, sou desconfiado. Racionalmente, não creio na existência de um Deus. Mas não tenho qualquer polêmica com ele. Melhor: com Ele, como aprendi. Fui aluno de colégio católico e cresci numa família católica, sem prática, sem doutrinações e sem exigências extremadas sobre religião. Essas duas vivências marcam minha vida e fazem com que eu não trabalhe para negar Deus. Uma vez Flamengo, sempre Flamengo. Sigo desconfiado, um traço cultural.
Observo as manifestações de fé. Respeito todas, desde que a fé não invada a vida civil das pessoas. Cada um com seu Deus, orações, rituais e crenças. Só não venham, a partir daí, querer regrar a vida civil das pessoas. Intolerância e sectarismo costumam andar de mãos dadas com religiões. Aí mora o perigo. Aí está o inaceitável.
Uma manifestação de fé chama minha atenção: as frases que as pessoas publicam nos seus muros, na porta de suas casas e, particularmente, nos vidros dos seus carros. Estandartes de fé. Exaltações de princípios. Agradecimentos. Convicções alardeadas. É um direito, mas geram situações engraçadas e polêmicas, no meu modo de ver.
Vejo um carrão bonito. Na sua traseira, a frase “É um presente de Deus.” Um carro?! Fico matutando sobre essa visão materialista da dádiva divina. Penso que Deus, em sua infinita misericórdia, pode oferecer às pessoas coisas melhores e vitais: saúde, paz, amor. Já vi a frase de agradecimento e ostentação em um carro velho e alquebrado. Não resisti e pensei que Deus, onipresente e poderoso, podia ter caprichado no ano e modelo do veículo. Uma furreca é uma graça acanhada.
Ontem, vi, num carro de venda de gelo, uma frase definitiva: “Sem Deus, nem tente.” Pronto! Ateus, agnósticos, pessoas de fé vacilante e religiosos de fachada parem por aí. Para nós não há caminho, solução, perspectiva de sucesso. Não adianta insistir. Stop!
Achei arriscada essa afirmativa de fé: manifesta uma forte convicção, mas uma convicção radicalmente restritiva. Para os humanos distantes de Deus não há futuro. Sem qualquer autoridade teológica, discordo. Deus, numa concepção generosa, não pode ser o Senhor das restrições. Deus deve acolher a todos. Até o pecador deve ter a atenção de Deus. Deus não pode operar com cláusulas de barreira.
Li, não me lembro onde, que Deus, na verdade, deve gastar mais tempo e energia com os pecadores, com aqueles que não têm fé ou andam trilhando caminhos incertos. As pessoas de fé e aderentes a Deus já estão encaminhadas. Em tese, dão pouco trabalho. Deus deve cuidar das ovelhas vacilantes ou desgarradas. Deus deve tentar agregar essa turma. Deus é tentativa eterna. Nós, humanos, também seguiremos tentando, mesmo desconfiados.
@antoniopimentelbh
07/05/23