Pequenas Cartas Obcenas

Pequenas Cartas Obscenas 

Geórgia Alves

Thea Sharrock, aos 48 anos, tem ocupado um espaço interessante na Indústria do Cinema. Com recado muito simples à inglesa é tão seca quanto o próprio mal merece. Seca e direta às raízes do problema central deste mundo de máscaras, podres poderes e hierarquias. Por limites e oferecer uma boa educação aos filho (neste caso filhas) não quer dizer estabelecer o zoneamento das aptidões. Pior.

O entrincheiramento do gênero feminino desde à primeira fase da vida. Destruidora da hipocrisia que ronda, não apenas, mas sobretudo a sociedade inglesa pela marca que mantém dos mantos que encobrem os mantos da família real, “Pequenas Cartas Obscenas” nos faz o grande favor de expor dado grau de repercussão dessa espessa camada de fumaça. Falsa forma de perfeição que continua rondando a ideia de família e impõe diferentes papéis aos gêneros. Com Jessie Buckley no papel de Rose Gooding, que de tosa não tem nada, talvez de alguém até bom se lhe abstrairmos as camadas da falta de modos e pouca ou nenhuma sorte de adestramento dos impulsos e paixões. Uma irlandesa entre tradicionais famílias inglesas, mal-falada e que vai presa sob a suspeita de endereçar aos “pacatos” moradores de LittleHampton – o nome não foi senão escolhido a dedo – com todo tipo de palavrões e espírito celebrados da pornografia. Sua única amiga, aspas novamente, é a vizinha Edith Swan, de fato merecendo o nome de “cisne” e que virá a se revelar na trama. Interpretada pela genial Olívia Colman a filha do casal que aluga o espaço onde Rose mora com a filha (Nancy Goodwing) e o companheiro, um homem negro (belo ator Malachi Kirby). Também será ela, por motivos que soam óbvios convidada a depor sobre o comportamento de Rose Goodwing de quem já havia sido próxima. Um dia. Um dia caminharam pela praia como amigas e, sendo Rose sua confidente, Edith teria condições de apontar as chances de ser Rose responsável pela autoria de tal “Literatura” de tão baixo escalão, capaz de aterrorizar moradores e até danos maiores. Que nem a própria Edith é capaz de calcular. Vou ter que encerrar esta análise filmica por aqui porque é difícil seguir sem comprometer a primeira audiência do filme. Destacaria a formidável atuação de Anjana Vasan no papel da oficial (feminina) de polícia que herdou o posto do tio. Também estrangeiro como Rose, a filha, o marido. Ou seja, o famoso outro em si-mesmo de que fala Maurice Blanchot que os povos que sempre se sentiram superiores não se cansam de enxergar como em condição desfavorecida pela origem. Afinal, se é que um dia e, ainda hoje, se pode falar na existência de sangue real, ele não veio do continente africano ou da Ásia. Não para os nascidos nesta ilha que continua a impressionar pela rigidez de valores que Thea Sharrock faz questão de desconstruir. E bem o faz. Assim como o fato dessa narrativa ter todo fundo de verdade, sendo baseada em fatos reais, e na lógica mais simples da Natureza. Não se pode querer ser Deus. Ninguém é melhor que o outro na terra. Ninguém é somente bom ou somente mal. Aceitar nossas humanidades é, ainda, o melhor caminho para fazer melhor uso delas. Inventar uma moral que nos obriga a sermos falsamente divinos é mais demoníaco que revelar nosso lado mais humano. Exceto pelo universo ter ele mesmo suas próprias regras, os humanos deveriam.se contentar em fazer parte do mundo e não querer dominar tudo com mão de ferro, como o personagem de Timothy Spall, Edward Swan. Típico homem da cultura eurocêntrica. Gemma Timothy está no elenco como a pobre senhora Swan, a mais horrorizada, mais ferida e escandalizada dentro os moradores pelo conteúdo das pequenas Cartas Obscenas que como uma das pragas do antigo Egito se espalha pela cidade, cada vez mais…. Sim, mesmo com a prisão da principal suspeita, que não poderia ser outra senão uma mulher sem a proteção do santificado manto do matrimônio.

@georgia.alves1

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