Pensar e sentir ou viver desesperadamente

Pensar e sentir ou viver desesperadamente

Devanildo Souza

Algo pensa em mim e parece ganhar asas benevolentes quando encontra no outro inspiração.

Se de fato o essencial é invisível aos olhos, há pessoas que cativam e inspiram de um jeito especial – a ponto de parecerem ter uma espécie de dom – capaz de guiar o mais inexperiente timoneiro por um mar de profundezas abissais.

Grosso modo, assistimos o pensamento brotar por estímulos dos mais variados, nos levando a crer – como falara Nietzsche – que “algo pensa em mim” (“es denkt in mir”).

Freud, possivelmente com auxílio de Nietzsche, afirmara que não somos senhores em nossa própria casa – a mente.

Se nossa mente até hoje é regida por forças que não sabemos bem de onde vem ou para onde vão, de modo semelhante não explicamos bem os desejos. Eles simplesmente são como são. Simplesmente afloram ou não.

Seja na forma de amor ou na forma de odeio, os desejos são o que são – categóricos. Fazem sucumbir rei e rainhas, deuses e deusas e nem mesmo Jesus Cristo dele escapou, pois, conforme os relatos bíblicos, por amor… Sabemos o resto da história.

Se nem nossa mente se governa, o que podemos pensar do ato de tentar se impedir de sentir?

Como canta Paulinho da Viola, “Não sou eu quem me navega – quem me navega é o mar. É ele quem me carrega, como nem fosse levar”.

Nas águas do mar da vida, independentemente de qual deus que governe o leme do berço ao suspiro derradeiro – seja ele teológicos ou ideológicos, o simples fato de estar vivo nos condiciona a remar.

Seja por ação, por omissão ou até mesmo por se deixar levar, bem ao estilo Sísifo, condenados estamos a ter que navegar até o fim derradeiro encontrar.

Será mesmo possível ver Sísifo feliz?

Tendo em vista a finitude das coisas e a passagem inexorável do tempo, só nos cabe contemplar nossa insignificância ante um poderoso mundo real que não permite “replay”. Não permite voltas ou reparações a fatos pretéritos.

Lembrando do vitalismo nietzscheano, é no agora ou não que podemos fazer a diferença, mas, claro – sem atropelar marcos consagrados pela humanidade em respeito a dignidade humana. É no agora que podemos nos alegrar ou nos entristecer. É no agora que podemos errar ou acertar.

Comte-Sponville, no livro que foi traduzido para o português como “A felicidade, desesperadamente”, mas que poderia ter sido traduzido como “A felicidade desesperançadamente”, faz uma reflexão pela felicidade na sabedoria.

A felicidade desesperançadamente não significa viver desesperadamente, pois ser feliz não é um objetivo fulcral, nem muito menos algo indispensável. De outro modo, a felicidade desesperançadamente é aquela felicidade que não esperamos, não planejamos e não desejamos.

Trata-se de uma felicidade em ato, que flui na vida e acontece na vida. A felicidade desesperançada, não espera nada, pois – como diz Comte-Sponville – “Nada desejo do passado. Já não conto com o futuro. O presente me basta. Sou um homem feliz porque renunciei à felicidade”.

Comte-Sponville, criticando o ato de viver a vida fora da vida, narra o desejo de uma criança pelo brinquedo que ainda não tem, mas que, com o tempo, as condições reais e materiais possibilitam que o brinquedo que lhe faltava agora venha a saciar seu desejo.

O brinquedo que a criança amava era o que ela não tinha, pois, mesmo tendo muitos outros, o que ela queria ainda não estava em sua posse. Com o passar do tempo, o brinquedo está no canto e não demora nada para a criança renove seu desejo pondo um outro no lugar, pois o desejo pressupõe a falta.

A felicidade estando atrelada ao desejo perece com a presença daquilo que faltava. Essa dinâmica desejante é o modo “esperançado” – de espera pela falta – que o homem encara sua vida e sem a sabedoria e a reflexão não é capaz de fugir desse círculo ingrato que desconfigura a felicidade assim que tomamos posse pelo que nos faltava exatamente por não se embasar sabiamente de modo desesperançadamente.

Há quem diga que Shakespeare dizia que sempre se sentia feliz porque não esperava nada de ninguém, pois expectativas sempre frustram.

De fato, a vida é muito curta para ser pequena. Viva a vida e antes de falar, escute. Antes de escrever, pense. Antes de gastar, ganhe. Antes de orar, perdoe. Antes de magoar, sinta. Antes de odiar, ame. Antes de desistir, tente. Antes de morrer, Viva.

@devanildodeamorimsouza

São Paulo, SP, 11 janeiro de 2023

 

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