Os Crimes da Rua Morgue

Os Crimes da Rua Morgue

Geórgia Alves 

No conto de Allan Poe, Os crimes da rua Morgue, encontro resposta para o desafio proposto pelo excelentíssimo editor Raul Tartarotti: “Escreva sobre sua viagem a São Paulo”. Como, meu caro? Em breve linhas? Como, em se tratando da Mega das Metrópoles? Acho no livro Histórias Extraordinárias, com tradução de Clarice Lispector:, a resposta “É essencial saber o que se deve observar”. Uma Sampaulo feita do que canta Paulinho da Viola? Um samba Para ver as meninas, nada mais nos braços, só este amor, assim descontraído? Vamos lá.

 

Na questão que ultrapassa os limites da “simples regra”, espero provar que não me abandonou a perícia de jogadora. O detalhe. No detalhe trago à tona ser esta uma cidade tão grande por ser feita de todas as menores mulheres do mundo. Elas vivem aqui. São tantas: Ana, da Paraíba. Joana, vinda da Bahia. Sofia, de Brasília. Eu, que vim por causa de uma cidade invisível. Quando digo menores mulheres, desautorizo os estimados leitores e leitoras a pensar na estatura, e sim na disponibilidade em aparecer quando mais é preciso. Foi assim com a garota da saída do metrô, na Vila Madalena. Acompanhou-me no coletivo, capaz de conduzir até o endereço.

 

Penso em São Paulo e sou levada a refletir sobre encontros. Para além das dimensões. A deduzir que, viver numa situação tão superlativa, às vezes, requer ser quase invisível. Até a hora exata de ser presente e inesquecível. Doze milhões de pessoas. Como tais encontros acontecem? Doze milhões, de pessoas, insisto, nas combinações multinuméricas que pautam a dinâmica desta cidade. Uma coisa me orgulho, ter decifrado tantas linhas de metrô. Estive nas estações das Linhas Azul, Verde e da icônica Linha Amarela. Coisas dos livros didáticos. Em breve ampliadas pela cor Laranja. Não digo por arrogar o que não foi senão surpreendente para mim. Nunca o fiz em minha cidade.

 

Para dizer o mínimo, a população de meu estado cabe em três quartos de São Paulo. Ainda sobra um quarto. De onde escrevo e há uma coincidência de alegria, o bairro favorece em muito a condição de pesquisadora pela experiência singular em acompanhar a rotina dos filhos de Istael. Aqui está a comunidade da autora que me propus a ler a obra completa e adentrar por aspectos biográficos, exposições criticas. A viagem, posso dizer sem medo, foi longa, não começou senão na virada do milênio. Ouso antever em movimentos entre 2001 e 2004 o que me trouxe. Difícil observar a passagem pela maior metrópole da América Latina e não mencionar livrarias. A fila para entrar na Martins Fontes da Paulista. Não creio seja a portenha Buenos Aires, mas São Paulo a capital com o recorde sul-americano.

 

Estive aprendendo, não se pode viver aqui senão sabendo o endereço das coisas. Um erro em nomes semelhantes vale uma volta ao mundo. De modo que é melhor mudar a vida toda por isso. Posso dizer aos paulistas, adoro mais meu nome ao pronunciarem: Giórgia. Encanta meu espírito o fato de que, quando precisei um minuto do tempo dos habitantes desta cidade, aquela que não descansa, sempre acelerada, pautada pelo frenesi do trabalho, toda pessoa para para orientar. Posso afirmar, em São Paulo, da garoa à garota da saída do metrô, vivi intensamente tudo! Da jovem concluinte do curso de jornalismo, com perguntas difíceis sobre a violência contra mulher, Lei Maria da Penha e a triste estatística de maior ocorrência de estupros. Triste. Respondi com serenidade, sem desfazer minha afeição a São Paulo.

 

Diante de gigantismos assim é possível guardar a esperança. Seguir com a força de quem é grande pela própria Natureza e não foge à luta. A moça da Paulista tanto me reconheceu que talvez nem saiba o quanto me alegrou, para mim foi um sinal. Virou amor. Guardo a atitude dos paulistanos ao agradecermos. Ao invés do nosso seco “de nada”, preferem palavra cara e rara: “Magina”.

 

Não, não imaginava ser tão bem recebida. Acolhida com ternura na mega cidade. Dizem meus pais, posso ter sido concebida neste solo. A graça desta narrativa é que o sopro de vida tenha se dado num hotel praticamente saído das histórias extraordinárias de Edgar Allan Poe. Por fim, lembro deste episódio engraçado, vivido em Brasília: Fora receber o título de jornalista amiga da infância e adolescência. Do aeroporto ao hotel e vice-versa, taxistas supunham ser eu alguém vinda de onde mais? É caríssima megalópoles, tudo leva a crer que seguíamos há tempos juntas e misturadas. Seja no todo ou no detalhe.

@georgia.alves1

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