O RESGATE DE CATITA.

O RESGATE DE CATITA.

Antônio Pimentel

“A carrocinha pegou Catita!” A notícia correu pelo bairro e chegou lá em casa. Era o terror. A carrocinha de cachorro, odiada por todos, atacava mais uma vez. Sua fama era péssima. Os facínoras que trabalhavam na carrocinha laçavam os cachorros, que eram levados para o matadouro. Depois de um tempo de espera pelos donos, os não procurados eram mortos e viravam sabão. Era a história que corria na vizinhança. Tínhamos pavor da carrocinha. Quando ela aparecia, o alerta era imediato. Hora de recolher os cachorros nas ruas. A meninada ficava abraçada com seus bichos, até o fim da sinistra ronda.

Catita era minha cachorra, uma cadela vira-lata de pelos longos, amarela e branca, amistosa, de casa. Ganhei Catita quando era criança e ela nos acompanhou durante anos. Teve várias ninhadas de filhotes, que a gente distribuía entre os vizinhos e amigos. Morreu velhinha. Um dos seus filhotes, Lulu, permaneceu conosco. No meu bairro belorizontino, a Gameleira, com casas, terrenos amplos e cercas de arame farpado, todos criavam cachorros, que circulavam pelas ruas da redondeza. A carrocinha era ameaça geral. Não aceitávamos esse negócio de combate às zoonoses. Para nós, a carrocinha era símbolo de crueldade e opressão.

“A carrocinha pegou Catita!” Pronto, era o fim. Recebemos a notícia com tristeza e alguma resignação. Era muito difícil resgatar um cachorro levado pela carrocinha. O canil da prefeitura – para nós, um matadouro – era longe e as taxas para liberar o animal prisioneiro, altas. Foi uma manhã de choro e apreensão.

Meu pai chegou do trabalho e soube do acontecido. Ele nem entrou em casa. Voltou para o ponto de ônibus e tomou rumo do matadouro. Empreendeu uma longa viagem e resgatou Catita. Gastou o que não podia para pagar as taxas de liberação e voltar para casa de táxi. Ela voltou serelepe, balançando o rabo, roçando na gente, como se nada tivesse acontecido. Meu pai, com seu ato de heroísmo, nos proporcionou um dia de alívio e festa.

Meu pai, o discreto Seu Waldir, nos ensinou também uma lição para a vida: a gente não pode deixar um dos nossos para trás. Parece pieguice de cinema, de filmes de faroeste e guerra, mas é um aprendizado importante. Catita era de casa, da família, uma amiga de todos nós. Meu pai não pensou duas vezes. Foi atrás dos algozes e fez o resgate. Um momento de checagem do universo de valores de um homem e sua família. Deixar Catita para lá, resignar-se com a fatalidade, ou ir ao encontro dela? A solidariedade, um valor central, prevaleceu. Valeu! Não podemos deixar os nossos para trás, lição que vale para uma família e a sociedade inteira.

  • @antoniopemtelbh

04/12/22

 

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