O ESTIGMA OPORTUNO
  1. Autorretrato com a Orelha Cortada, 1889. Óleo sobre tela. Van Gogh.

 

O ESTIGMA OPORTUNO

 

Gabriel Von Gerhardt

Na obra A História da Loucura, o filósofo Michel Foucault empreende um panorama socio-histórico que delineia todo o percurso desse fenômeno desde o Renascimento até a Idade Contemporânea, o importante desse movimento intelectual é mostrar como a ideia de patologia mental é construída conjunturalmente. Isto é, no contexto brasileiro atual as pessoas que padecem desses transtornos devem lidar com múltiplos reveses, sejam de ordem privada, com o comprometimento da saúde, sejam de ordem pública, com os estigmas que carregam e com os quais devem se confrontar.
Uma pessoa que sofre de qualquer transtorno mental, precisa de um tempo para assimilar toda multiplicidade de sintomas que lhe aflige, precisa operar um rearranjo de suas atividades cotidianas e se defrontar com um tratamento muito delicado e que exige muita disposição. Ou seja, todo um acompanhamento se faz necessário, que forneça uma assistência constante, com base nas especificidades de cada pessoa, sem rotular suas idiossincrasias. Por varias razões, o individuo com transtorno mental pode se sentir fragilizado, seus laços sociais podem estar comprometidos, tanto com o trabalho quanto com os vínculos pessoais, soma-se a isso a falta de informações sobre o tema e a difusão de preconceitos e tabus que envolvem essa problemática. Isso tudo agrava a sensação de isolamento e culpa do individuo que se sente apartado da realidade por não conseguir corresponder aos critérios de produtividade e bem-estar disseminados pelas redes. A vulnerabilidade de um ansioso ou de alguém com Burnout é sistematicamente assediada pelas demandas midiáticas e de mercado que não integram em suas propagandas aqueles que não se enquadram em suas exigências cada vez mais restritivas e irreais.
Além disso, todo o silenciamento dessas vozes que não se enquadram cria barreiras para o devido acompanhamento e reintegração dessas pessoas, pois é apenas com a cooperação de toda uma comunidade, da sensação de pertencimento e acolhimento que os portadores de transtornos mentais poderão iniciar essa jornada de restabelecimento. Aqui é importante retomar Foucault, quando ele dizia que os manicômios não serviam para tratar os “loucos”, mas para garantir a sanidade daqueles que estavam fora dele. Isto é, essa ideia de isolamento de indivíduos desviantes cumpre uma função pragmática dentro da sociedade, que é manter o primado da ordem vigente, sem quaisquer distorções ou disrupções dentro de um sistema cada vez mais engessado. Não seria pertinente analisar esse crescimento vertiginoso de casos de transtornos mentais não apenas como uma disfunção desses sujeitos particulares, mas como um adoecimento de todo o corpo social no qual eles estão inseridos?
Infere-se, portanto, que a estigmatização dos transtornos mentais no Brasil é mais nociva do que os próprios transtornos. Para decompor essa mazela é necessário realizar uma conjunção de atitudes, começando pela perpetuação de informações construtivas e conscientizadoras por parte do Ministério da Saúde e o da Educação, realizando projetos de difusão de experiencias e de trabalho cooperativo sobre os temas do sofrimento psíquico, a desconstrução das ideologias da produtividade e a positividade tóxica. Juntamente com isso, os canais de comunicação devem começar a integrar uma diversidade cada vez maior de pessoas, que tenham as mais diversas perspectivas sobre o mundo para partilhar, dando protagonismo para pessoas com transtornos psíquicos, como tem emergido recentemente no audiovisual, com filmes como Coringa (2019), a série de TV Atypical e na mídia impressa com os textos de Tati Bernardi, que transmite suas experiencias de sofrimento mental com uma linguagem leve, irreverente e por vezes cômica, desconstruindo quaisquer tabus. Com todas essas articulações entre diferentes âmbitos sociais, poderemos não apenas superar esses estigmas excludentes, reintegrando esses indivíduos na sociedade, mas também criar uma sociedade mais saudável, aberta para diferentes modos de existência.

@gabriel.gerhardt22

 

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2 comentários sobre “O ESTIGMA OPORTUNO

  1. Que experiência a leitura desse texto, as palavras foram capazes de mostrar que há muito por fazer sobre o tema e que as propostas aqui elencadas, são factíveis. Parabéns !!!

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