O Casamento

O Casamento

Victor Fernando

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Viviam juntos, Marcos e Aurora. Ele com vinte e três e ela com vinte e cinco. Era inegável o amor que um sentia pelo outro. Seria mais adequado dizer “que um queimava pelo outro”. A pessoa mais sensível poderia ouvir os gritos de amor dentro deles. Um não vivia sem o outro e quando estavam longe, por ocasião de viagens a trabalho no exterior, o desespero tomava conta de ambos em uma espécie de apego excessivo. Passavam horas conversando ao telefone e largavam somente quando tinham de sair para o trabalho. Mesmo lá, eles arrumavam um tempo para se falarem. E foi assim, nesse estado, que resolveram casar-se.

Foram cinco meses de preparo. Cinco meses arrumando tudo o que devia e não devia: os convidados, as comidas, se teriam celebrações na igreja ou algum outro local, e caso fosse na igreja, quem os casaria, o local etc. Durante esses meses o amor dos dois se pôs à prova. Aurora ficou profundamente reflexiva e ficava horas sozinha em seu quarto, olhando pela janela a cidade que os rodeava. Moravam em um quarto de apartamento que ficava no sétimo andar. No entretempo do casamento, ficara mais calada e sensível a toda espécie de carinho do noivo. Olhava-o indiferente. Ele, por sua vez, ao percebeu, ficou igualmente reflexível. “Será que seu amor esfriou?” Perguntava a si mesmo. Porém, a voz do bom-senso dizia “Não. Estou confuso. Ela está é cansada dos trabalhos com o casamento.” Um acontecimento, porém, reanimou os dois.

Até aqui vocês não sabem como Marcos e Aurora se conheceram. Pois tratemos disto contando, primeiro, um pouco de suas vidas. Aurora é filha de um rico empresário no sul do Brasil e da professora de filosofia da UFRJ. Ela pertence, portanto, a uma família de muito sucesso. Sempre esteve nos círculos sociais mais prestigiosos do país. Conheceu de perto tanto a elite econômica quanto a intelectual. Quando completou vinte anos entrou na faculdade de Direito e buscava independência. Marcos nasceu em um berço de ouro também. Sempre esteve rodeado das mais ilustres figuras do cenário brasileiro e internacional. Quando ficava doente, era de imediato acudido por todos os médicos de que podia dispor. Quanto a seu pai e sua mãe, não sabia de onde eram ou se estavam vivos, ou não. Na infância e adolescência vivia com uma velha ranzinza e pedante e levianamente prosaica. Quando não lhe faziam o que queria, gritava com sua voz irritante: “você é um ordinário.” Foi com gente dessa espécie que Marcos viveu seus primeiros dias de infância e os últimos de adolescência, pois quando estava para entrar na fase adulta, a velha morreu. No velório, um povo miado, que podia-se contar nos dedos, compareceu. Este acontecimento estremeceu Marcos, que, inexperiente, não sabia como poderia prosseguir sem uma figura materna. Por dois meses vagou pelas ruas da cidade, buscando consolo nos bares e com os poucos amigos que tinha. Buscava incessantemente uma figura, seja paterna ou materna, para se equilibrar.

E foi durante esse período, onde Aurora estava estudando e Marcos buscando um consolo, que se conheceram, um dia, em uma festa de um amigo em comum. O que se seguiu foram anos de conquista por parte dele e dela. Os primeiros meses de namoro foram líricos e pulsantes: não havia choro nem ranger de dentes. Com o passar de alguns dias, apareceram coisa que um não desejava encontrar no outro. Brigavam muito e em uma dessas brigas Aurora resolveu passar um tempo fora. Queria distância por um tempo. Foi encontrar-se com sua família. No ambiente familiar, não conversava sobre as brigas e quando perguntavam sobre Marcos, apenas abanava a cabeça e dizia que ele estava bem e que trabalhava muito. Em momento algum falou sobre sua relação. Essa reserva a falar sobre o assunto despertou atenção de seu irmão mais velho, que ela carinhosamente apelidara de “velhinho”, devido seu jeito deslocado da contemporaneidade. Ele, com seu trejeito sábio, convenceu-a a falar o que se passava. Após o jantar, ela confessou tudo e ao ouvir sua confissão, surgiu em Raul, afinal era esse seu nome, uma raiva fervente por seu cunhado. Conversaram durante horas naquela noite e sobre todos os assuntos: relembraram coisas da infância, sobre suas complicações cotidianas, alguns livros que estavam lendo. Nem conversaram muito sobre o relacionamento de Aurora. Terminada a prosa, que durou duas horas, foram dormir. No outro dia, Aurora resolveu voltar e reconciliar com Marcos. Raul levou-a à casa e lá, antes dela sair do carro, ele falou-lhe que estaria à disposição para qualquer coisa e aconselhou pensar bem se ela realmente o amava. Abraçaram-se e saiu

Desculpe se a explicação ficou muito longa, mas era preciso, pois o que se seguirá na história principal depende dessa explicação. Continuando:

O acontecimento que reanimou os dois foi o seguinte: convidar ou não convidar o irmão de Aurora, eis a questão. Isso fê-la sair de suas reflexões para se voltar a esse fato que para ela era mais importante. Marcos não queria convidá-lo, pois sabia do ódio que Raul nutria por ele. Por outro lado, Aurora estava decidia a convidá-lo, queria Marcos ou não.  Eles ficaram nesse embate por muito tempo e, faltando uma semana para o evento, Raul foi convidado. As longas discussões em que os dois se meteram, e que duravam horas, desembocaram em outras conversas e conversas e assim por diante, o que rendeu um saldo de revelações por parte de Marcos, coisas que ela não sabia e revelando um lado diferente dele, o que a deixou aterrorizada. Faltando exatamente quatro dias, estando Aurora mais reflexiva do que antes, decide, então, romper o casamento.

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@ich.binvic

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