NO BUSÃO, UM EMPREENDEDOR DE SUCESSO.

NO BUSÃO, UM EMPREENDEDOR DE SUCESSO.

Antônio Pimentel

Cultivo e compartilho observações sobre o microcosmo do busão, meu principal meio de transporte, salvo quando filhos ou alguma generosa companheira fazem o meu carreto. Não sei dirigir, não tenho carro. Atento, ouço conversas no coletivo. Não sou bisbilhoteiro contumaz, mas a viagem é longa e o povo fala alto. Escuto, registro e me divirto. Não há assunto reservado ou proibido no busão. Há boas surpresas.

Um dia desses, coisa rara, peguei o ônibus vazio e fiz meu trajeto sentado. Logo que entrei, ouvi uma voz de homem discorrendo sobre seu trabalho: produção e venda de bombons. Não conseguia vê-lo, mas ouvia sua história. Conversava com uma senhora, que fazia poucas intervenções. Um diálogo com jeito de monólogo.

Fui fisgado pelo entusiasmo e firmeza de propósitos do passageiro falante. Ele contou seu processo de fabricação de bombons. Fabricação, não! Confecção! O homem é um artesão. Faz bombons sem uso de formas. Como ele disse, “modela os bombons com as próprias mãos”. O banho de chocolate no bombom é uma delicadeza, um mimo. Busca, com muita pesquisa, o ponto de cada recheio. Trabalha com mais de trinta sabores. O ponto do recheio de laranja foi obra de meses de ensaios. Atualmente, como um alquimista, testa o ponto do açaí.

Outro dois aspectos foram abordados pelo companheiro de viagem: a escolha da matéria-prima e a venda dos bombons. “É do bombom que eu tiro o meu sustento. Tenho que oferecer um produto de qualidade. Não posso vender uma vez só para o cliente. Eu não como uma vez só, como todos os dias, entendeu?” Resumidamente, aí está seu argumento para a compra de chocolate e recheios da melhor qualidade. Fidelização.

A venda dos bombons ele mesmo faz. Vende de porta em porta e já consegue algumas encomendas para festas. O orgulho dele é sair de casa, diariamente, com cento e vinte bombons e vender todos, rapidamente. Venda em bandejas e forminhas. “Não tenho encalhe”, declarou.

A história é corriqueira. O narrador, não. Fui ouvindo o que ele dizia e senti que estava perto de um grande empreendedor. Grande não no tamanho do seu empreendimento, que é modesto, mas na sua força empreendedora. Ele estuda, experimenta e domina com desenvoltura o seu negócio e coisas como os quatro Ps do marketing, formulação que muita gente gosta de esgrimir em cursos e palestras. Cuida com primor do seu produto. Estabelece um preço palatável para o consumidor: dois reais, preço unitário, que cai na venda em bandejas. Faz promoções para divulgar e vender seus bombons. E cultiva praças/pontos de venda com a regularidade de sua presença.

Momento bonito foi quando ele falou de sua trajetória profissional e da escolha do trabalho atual. “Trabalhei muito tempo fichado. Trabalhei na construção civil, ajudei a fazer prédios. Fui office-boy e operador de elevador. Não deu certo. Eu tenho muitos talentos. Não consegui ficar preso a rotinas e horários. Larguei tudo para trabalhar com o bombom.” É a afirmação do talento, do trabalho e da autoestima.

Além da libertação dos talentos, ele destacou outro ponto interessante: “Hoje, trabalho e tenho tempo para criar novos bombons e fazer outras coisas na vida.” Um homem que cultiva o ócio criativo, formulação do sociólogo ítalo-baiano Domenico de Masi: trabalho, diversão e aprendizagem.

Perto do Mercado Central de Belo Horizonte, ele desceu. Ia comprar matéria-prima, como tratava os ingredientes para a confecção dos seus bombons. Pude então ver o empreendedor. Um homem de uns 35 anos, moreno, cabelo cortado baixinho, corpo atarracado, pernas arqueadas e mãos fortes, jeito de gente que carregou muito peso na vida, que operou muito na construção civil. Calça jeans, tênis colorido, camisa de malha, simples e arrumado. Desceu do ônibus saltitando. Deu uma corridinha no passeio e fez um gesto de mãos para o alto. Quase socou o vento como Pelé depois de um gol. Gesto de comemoração e genuína alegria. Foi indo rápido, risonho, movendo os braços com força.

Segui viagem. Tinha visto uma pessoa realizada e feliz. Um cara orgulhoso de sua escolha e do seu negócio. Um empreendedor de sucesso.

 

@antoniopimentelbh

 

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