Martu

Martu

Geórgia Alves

No ano de 2007, quando ainda existia o Orkut, a poeta e professora universitária, Elizabeth Hazin afirmava, em entrevista aberta de formato bastante inovador à época: “O(A) escritor(a) procura colocar em palavras algo que pressente, a partir de seu olhar sobre o mundo. (…) A escrita materializa esse pressentimento e substitui a ideia pelo tecido linguístico. O desejo pelo SIGNIFICANTE”. Neste lugar de acesso virtual, extinto, onde todo e qualquer pessoa inscrita naquela primitiva rede social podia lhe fazer uma pergunta, contemplou ávidos leitores por explicações inacessíveis sobre a materialização de um texto: “É também uma falta que jamais se preenche. O texto representauma impossibilidade que precede toda letra. É uma incompletude que vai empurrar o(a) escritor(a) levando(a), muitas vezes, a modificar o texto. A perseguir uma espécie de versão ideal. E que, de certo modo, nunca concretiza”. O Brasil é um país, ainda, tão carente de espaços como este. A entrevista, longe das revistas e publicações acadêmicas, continua como das poucas oportunidades de leitores e leitoras conhecerem a obra desta pernambucana, tão fora dos circuitos da mídia brasileira e dos canais de divulgação dos trabalhos literários. Até hoje. Até a data de hoje. Estamos aqui para corrigir a falha desta soma de tanto tanto tempo!

Principalmente, porque a materialização do grande poema concretiza essa voz mais do que atual. Os 17 anos que separam Elizabeth Hazin do leitor só acentuaram a urgente necessidade de escuta, sobretudo em Martu. Livro publicado em 2006, pela Editora Vieira & Lent, do Rio de Janeiro. Entrevista – essa agora concedida no apartamento de Elizabeth, quem conheci entre amigos desejosos da restauração do sobrado onde morou, em Recife, a família de imigrantes judeus, os Lispector ‘s – segue em parte.

Como especialista em Estudos de Literatura Basileia pela Universidade de Brasília, a UNB, Elizabeth aprofundou seu trabalho entre dois outros grandes: Guimarães Rosa, mineiro, como todos sabem; e Osman Lins, nascido em Vitória de Santo Antão que também veio parar na capital pernambucana. O autor de Avalovara viria trabalhar no insípido ofício – no tocante ao campo da Literatura – do sistema bancário enquanto funcionário do Banco do Brasil. Apesar deste imenso preâmbulo, que espera tão somente localizar interessados em seu resiliente trabalho, inclusive dos artigos científicos, o momento é dedicado à poesia de Elizabeth. Reproduzo parte de nossa conversa no inesquecível e ensolarado final de tarde em Apipucos deste mês de janeiro de 2024.

G.A.: O que vem a ser _Martu_?

E.H.: _Martu_ é o primeiro nome que se conhece na História relativa à terra que é a Palestina. É um nome assírio, da Antiguidade, que significa “Terra do Ocidente”, em relação a eles, naturalmente. Então, neste livro, a palavra “Palestina” não aparece. Apenas na dedicatória e no posfácio, não no corpo do poema _Martu_.

Este livro, a ideia dele, começou a 50 anos atrás em 1981, quando eu assistia um espetáculo de dança Palestina, no Internacional.

(O Clube Internacional. Localizado no bairro do Benfica, em Recife. E infelizmente não tem mais a mesma importância no circuito cultural da cidade)

Era um grupo de Ballet e Música, com captores e violões. Eu fiquei muito impressionada com eles. E foi, a partir daí, que despertou em mim essa coisa de ser neta, de Palestina. Na minha casa eu nunca ouvi. Meu pai nunca se importou com a questão Palestina. A minha avó não queria nem ouvir falar e, de repente, isso tomou conta de mim de um jeito, lá entre 1980 e 1981.

G.A.: Você estava na Universidade?

E.H.: Estava fazendo o Mestrado e começava a ensinar na Universidade Federal de Pernambuco. Comecei, na minha cabeça, a mentar um livro que falasse da Palestina. E na cabeça era um projeto bem ambicioso. A ideia era escrever mil e um poemas, por causa das mil e uma noites. Comecei, então, a juntar revistas e jornais, fazer colagens e álbuns de recortes. A estudar a questão da Palestina. Fiz uma lista de palavras do Português que vieram do árabe. Para que o campo semântico dos poemas repetisse essa questão do árabe na Língua Portuguesa.

 

G.A.: Existe entre os trechos do poema, um que destacaria?

E.H.: Este livro, quando foi lançado, um professor árabe e da língua árabe, me pediu para traduzir e já no terceiro dia ele me disse: “Elizabeth, eu não consigo. Vou te mostrar porque. Ou escolho a forma ou o conteúdo. E aí é outra coisa”. Os anos foram se passando, consegui fazer alguns poemas só. E aí fui fazer o Doutorado na USP. Volto (ao Nordeste), dessa vez para Salvador, caso com um baiano e nada do livro.

O livro tinha assim, poemas soltos, espassos. E aí, tinha que fazer a minha tese. E na medida em que pensava minha tese, comecei escrever este livro. Escrevi este livro assim, de repente, “tchiill”. Ele saiu do nada! E, na realidade, ele é um poema só, composto de vários poemas, mas um poema só, não tem títulos, não são poemas totalmente diversos. É a reflexão de um poeta – quis que fosse um poeta homem – porque é como se fosse ele e a pátria. Eu queria que fossem os dois. Ele quer escrever um poema sobre a Palestina. Ao mesmo tempo em que ele luta com a questão da reflexão sobre a Poesia. Às vezes meio teórico, porque era o que eu estava fazendo, então,. Ele fixou uma mistura dessa fala interior do poeta e poemas que eu já tinha escrito. E inclui, como se fossem poemas do livro dele. Fragmentos do livro dele. O que ele queria escrever. Eu era ele, naturalmente. Aqui, nessa confusão tudo dá no mesmo. Aí eu consegui encaixar a narrativa.

Elizabeth ainda presenteou àquela tarde com a leitura de um trecho de Martu, em que traduz o seguinte pensamento: “Não queremos a lua”: o que se pede não é maior e inalcançável, e sim a parte que lhes cabe da terra. Reproduzimos trecho desde grande poema onde o narrador de Elizabeth Hazin nos conduz a Martu:

 

Ó Lua prateada

Não te queremos

(Oásis longe-perto

Dessa jornada)

Ó Lenda parecida

Com outra Lenda

Ó Lágrima parada

Na face lisa

 

Ó Lua prateada

Não te queremos

(Ó Lenta permanência

Nessa agonia)

Ó Luta procurada

Por nossas mãos

Ó Leito permitido:

Chão dividido

 

Ó Lua Partilhada

Não te queremos

Ó Líquido perfume

Almiscarado

Ó Lâmina Partida

Alfanje claro –

Ó Lírica Parábola

Descreve o Arco

 

Ó Lua Profanada

Não te queremos

Ó Lâmina Pendida

Sobre o Deserto

Ó Longínqua Pasárgada

Quase Miragem

Ó Léguas Percorridas

Sempre de volta

 

Ó Lua Possuída

Não te queremos

Ó Lícito pecado

Rito Secreto –

Ó Longo Pesadelo

Entre Palmeiras

Ó Lúcida Paisagem

De Pedra e Óleo

 

Ó Lua Prometida

Não te queremos

Ó Límpido Pingente

Crescente.e Fértil

Ó Lânguido Poema

Inscrito a Fogo

Ó Lapidado Pórtico

Da Liberdade

 

 

@gergia.alves1

 

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