Maria, Maria

Maria, Maria

Eugênia Câmara

Lá estava ela, no auge dos seus dezoito aninhos, cabelos cacheados até a cintura, corpo de violão e um metro e setenta e cinco de altura. Tez morena, quase cravo e canela, olhos pretos e uma boca que chamava a atenção e, sabedora de que esse órgão despertava olhares, apelava para o batom vermelho carmim da Avon.

Trabalhava como cuidadora de um menino de três aninhos, que na sua inocência, só queria brincar de carrinho e montar Lego.

Um detalhe importante que não podemos deixar de contar: o menino estava na escolinha e como os pais do rebento trabalhavam o dia inteiro, cabia a ela leva-lo e busca-lo.

Todos os dias era o mesmo ritual. Chegava no trabalho, tomava seu cafezinho sossegadamente, enquanto esperava o garoto acordar. Enquanto isso, já preparava o achocolatado com Bisnaguinha para o seu “neném”, como o chamava de forma íntima. Depois desse ritual matinal, levava, de mãozinha dada, a criança até a creche.

O trajeto sempre era feito com ela balançando seus cabelos negros, rebolando em seu jeans justíssimo, enquanto o garotinho falava sem parar sobre o desenho animado que tinha visto na TV.

A escolinha ficava numa avenida movimentadíssima. Local ideal para que ela pudesse massagear seu ego e sua alma, ouvindo as gracinhas ditas por aqueles que se atreviam gritar pela janela de seus veículos.

Para cada cantada, um sorrisinho maroto de canto de boca. Sim, essa boca carnuda e terrivelmente vermelha devia chamar muita a atenção masculina. Além disso, seu caminhar parecia uma dança de samba que, com certeza, deveria levantar ânimos matinais masculinos ao com ela cruzarem.

E assim foi por três anos, até que o menino entrou no ensino fundamental num colégio longe de sua casa, e seus pais se encarregaram da tarefa do leva e traz.

Essa estória já tem vinte e cinco anos. Ele cresceu, tornou-se adulto, e hoje é pai de um lindo garotinho. Quando perguntado se ia colocar seu filho na mesma escolinha que estudara, respondeu com um sorrisinho irônico:

– Já conseguiram clonar a Maria?

@mecalves

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