FOFOCA, FUTRICA, FUXICO: ASSIM CAMINHA A HUMANIDADE.

Ilustração: “Eva e a serpente”, pintura naif de Arivanio Alves (CE).

FOFOCA, FUTRICA, FUXICO: ASSIM CAMINHA A HUMANIDADE.

Antônio Pimentel

 

A intriga tem muitos nomes e marca a história da humanidade. Quando alguém, lá no começo de tudo, olhou outro alguém, botou reparo e comentou com um terceiro alguém, a fofoca nasceu. Quem deu o pontapé inicial? Pode ter sido um homo sapiens, que, depois de visitar a caverna e conhecer a mulher do amigo, confidenciou aos companheiros de caçada: “É uma pedrada lascada!” O homo sabia e espalhava. Há quem atribua o mexerico iniciático à serpente, sinuosa e dissimulada, que induziu Eva ao pecado. A víbora, destemida, urdiu contra Deus. Adão e Eva pecaram movidos por futrica ofídica.

Os humanos, expulsos do Paraíso, passaram a suar para sobreviver, arrastando um vício original: a capacidade de maldizer. Fora do Éden, Adão azedou: “Deus é ilusão, o ópio do povo”. E a serpente virou símbolo da maledicência. Não é à toa que o fofoqueiro contumaz é tido como traiçoeiro e venenoso. “Uma cobra”, dizem. Mogli, o menino-lobo, sabe bem o que é isso. Sabemos. Estranho que a intriga não tenha o status de pecado capital. Pode ser filha da inveja ou da ira, mas merecia um lugar só seu no listão pecaminoso do catolicismo.

Existem diferentes fofocas. Algumas são engraçadas e inofensivas; outras, amargas e demolidoras. Antes, essas pragas avançavam devagar, de casa em casa, à boca miúda. As redes sociais catapultaram o alcance e poder de fogo dos boatos. É a globalização do disse me disse, com o surgimento de novos termos: hater, hoax, fake. A boataria ganhou tons moderninhos, mas não perdeu sua essência: embuste e fel. Ela se profissionalizou e vive travestida de notícia confiável.

“Fulana me contou que o marido tem outra.” Fuxicos de alcova. As pessoas compartilham comentários sobre a vida sexual alheia. Fulano é brocha. Sicrano tá comendo beltrana. Aquela dá mais que chuchu na cerca. O vizinho é chifrudo. Bisbilhotices explosivas. Podem gerar confusão. Exigem cautela. São resguardadas, mas podem escapulir.

Escapolem. A mulher fica sabendo que o marido tem um caso com a vizinha. Vai até o cônjuge traído e diz: “Sua mulher está saindo com meu marido”. O homem reage: “A senhora é louca e irresponsável”. Ela devolve: “Não sou louca nem irresponsável, mas o senhor é chifrudo”. Confusão no bairro. Corre-corre. Ameaça de morte. Tudo passageiro. A poeira baixou. O corno permaneceu ateu. A mulher traída foi embora, mas voltou. O casal clandestino seguiu unido e comentado. Boatos carregam doses de verdade. “O povo aumenta, mas não inventa”, atestam os experientes.

Outras futricas são deboches domésticos. Circulam entre familiares e enredam parentes e vizinhos. “Eles são uns explodidos. Não têm merda para cagar, mas não perdem a pose”. “Desfila roupas de grife, mas não paga o condomínio”. Um cunhado cachaceiro. A sobrinha namorando homem casado. Brigas na casa ao lado. Festa de casamento, a cunhada aparece com vestido verde, rendado e longo. O cochicho se alastra: “Vestiu a samambaia-chorona e veio”. A tia gordinha desfila um vestido vermelho. “Parece um caqui”. As línguas soltas adoram escorregões estéticos.

Antes das redes sociais, escritos e telefonemas anônimos eram jeitos velados de difundir maledicências. Ação de fofoqueiro oculto, que buscava recursos de comunicação para espalhar ofensas. Presenciei um caso. Estudantes da FAFICH/UFMG, eu e amigos tomávamos cerveja num postinho próximo à faculdade. Um dia, encontramos uma pichação no muro em frente ao bar: “O pai do Osmar é viado”, com i mesmo. Rimos. Imaginamos Osmar, seu pai e familiares passando diante da afirmativa pública. Paramos com as gozações. Pensamos no absurdo de uma vida exposta. A difamação era cruel, um gesto desprezível.

Duas historinhas para encerrar. Primeira. Na cerca entre lotes, uma senhora conversava com o vizinho. Ela, nos afazeres domésticos, segurava uma rodilha de linguiça. A sogra do homem passou, viu a cena e correu para alertar sua filha: “Fique de olho. Dona Maria tá lá fora balançando a linguiça para o seu marido!” Cabeça ruim e precipitação. O episódio e a linguaruda entraram para o anedotário familiar. Ainda se o balanço fosse inverso… Segunda história. Numa instituição pública, o falatório rolava. Uma funcionária, especialista em garimpar e socializar fuxicos, narrava a boataria sempre na terceira pessoa e arrematava a prosa com um comentário crítico sobre suas fontes: “Ela tem uma língua felina!” Escorregou na língua, no felídeo e virou personagem de zombaria. Ficou conhecida como Felina. A fofoca é praga e risco.

Agora, cá entre nós, você que leu até aqui, o que se passa com nossa amiga do Facebook? Aquela! Tá estranha, né? Conte-me tudo! Não me esconda nada! O fofoqueiro vive!

@antoniopimentelbh

 

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