Explosão dos Corpos

Busby Berkeley e a Explosão dos Corpos

Pedro Albuquerque

Busby Berkeley, foi um coreógrafo americano que atingiu fama com suas peças para os teatros da  Broadway mas que encontrou nos musicais da divertida Hollywood Pré-Código Hays, onde o maleável e versátil senso de ironia e as sugestões sexuais reinavam implacáveis, o zênite da efetividade de sua criatividade impetuosa e saborosamente peculiar; mais especificamente, nos três longas filmados sequencialmente em 1933 (na iminência da implementação das limitações do Código Hays), são eles: Rua 42, Cavadoras de Ouro e Belezas em Revista. Em ambos os filmes – produzidos pela Warner Brothers e seu então revolucionário sistema Vitaphone de registro sonoro – Berkeley não foi o diretor artístico principal; entretanto, sua presença criativa e funcional é tamanha que ofusca quase que completamente a figura dos diretores com quem Berkeley trabalhou nos filmes em questão.

Alguns “termos” do “léxico” de Berkeley, já foram devidamente analisados e dissecados pela fortuna crítica do cinema. Mark Cousins, no seu A História do Cinema, por exemplo, exalta os planos elevados frequentemente usados por Berkeley, o bizarro apreço pelas toadas das marchas militares que oferecem um certo tom de ritmo às suas coreografias e o olhar aguçado para as mazelas da grande depressão, seguido de uma preocupação social. Todavia, um dos aspectos mais fascinantes dos arranjos performáticos de Berkeley – transcendendo as normas formais da gramática cinematográfica e o simples “roda-roda” típico dos musicais – reside na modelação e extensão  das próprias coreografias: o retrato da profundidade paradoxalmente vaga e fugaz do toque entre os corpos, do atrito faiscante e da troca de fluidos entre as peles que lascam-se e rugem, subindo e descendo, pressionando e dissipando, pulsando e gritando na essência da fotogenia proposta por Epstein nos anos 20.

O choque dos corpos em Berkeley é fugaz pois é pragmático, fotogênico; é pluralmente estético e promiscuo: dançarinas vestidas com roupas curtíssimas, bebês que engatinham em um mundo colericamente polissêmico e dissimulado, esbarrando nas pernas femininas desnudas, condensadas em grande esplendor erótico e é profundo pois consegue ser categórico, preciso, incisivo, como um cirurgião, penetrando na carne, levando os arranjos anatômicos dos elementos humanos singulares a explodirem conjuntamente em padrões diversos – moldados e remoldados – emulando corpos de naturezas radicalmente diferentes, como girassóis, violinos e bolos de casamento, registrados nos já citados planos elevados com ângulos distorcidos, experimentais e nas estruturas que giram – com os atores em cima – em sentidos contrários: compassos que assumem a forma de descompassos febris e enérgicos. Padrões que aspiram à concepção mais singela, fiel e sublime da beleza convulsiva dos surrealistas. É tão gritante a coesão mecânica, cinemática, anatômica e morfológica das coreografias de Berkeley, que só falta tudo explodir de tanta profusão, de tanta cor, como a massa vermelha dos tecidos que racham e se misturam nas ferragens de um acidente de carro. Berkeley não é só teatro ou cinema, é toda uma vanguarda barulhenta, cintilante e nervosa.

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@petrussantorum

 

 

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