Erro de português? Não. De Brasileiro

Por Fernando Balduino

 

Com azedume de paixão, Policarpo Quaresma ocupava-se em defender as proeminências da brasilidade, exaltando a história nacional com suas odes ao Amazonas, modas de viola e – contendo demais caprichos – ímpeto louvável sobre o idioma nacional: “Tupi or not Tupi”, nas fontes do modernismo paulista. Sua obsessão pelos valores nativistas, apesar de peculiar e questionável, não era insabida ou inocente. De fato, pudera o excelentíssimo Major vislumbrar os apontamentos do Brasil Contemporâneo, dirigir-se-ia ao limbo epistemológico mais próximo de sua não-existência; ao ver que, em lânguidas lutas territoriais e civis, hoje não apenas se imprime aos sujeitos um lugar natural de inferioridade, mas também aos saberes e tradições mesmas em que alicerçam o seu Ser.

Nas narrativas ideológicas já do Séc. XIX, tratávamos o indígena como miragem alheia ao povo litorâneo: ausentes cada vez mais do comezinho imaginário do brasileiro médio, mas profundos em uma tradição folclórica; prementes, e em risco constante de desconstrução antropológica. Em verdade, já no indianismo romântico, nada havia de empírico nas alegorias, e menos ainda em uma coloração épica da colonização portuguesa: amarro entre o selvagem de Rousseau e domesticador honroso dos códigos cavaleirescos feudais.

Todavia, segundo escreveu, numa feita, um lisboeta desassossegado, o mito é o nada que é tudo; fazendo lá a denúncia igualmente aqui aplicável sobre as vontades de verdade propostas pela veia dinâmica da miscigenação: engendram, no caso, malícias sem-par sobre os infundados estigmas políticos da variedade dos grupos indígenas. A tão chamada ‘democracia racial’ surge justamente nesta fresta entre as propostas míticas e factíveis, invejando as posições sociais modestas das minorias – incomparáveis ao garbo escuderil de compensações historicamente justificáveis (tais as cotas); supostamente num mundo já não regido pelo teatro umbral da meritocracia e pelo direito por nascimento. Fato é que as lutas em torno das – plural- identidades indígenas são ofuscadas pela perseguição projetada às historietas amazônicas e canções populares temáticas propostas pelo dispositivo colonial: erro não de português, mas de brasileiro.

Demais, os interesses nada medidos das bestas exploratórias – imersas em metanarrativas imediatistas de gênese agourenta – ameaçam em grandiosas proporções a vida dessas populações a partir de conflitos de demarcação de terras. É, justamente, nessa segurança econômica feita á frente pelo Thanatos freudiano nos jogos de biopoder, que se encaixam nas ponderações Maquiavélicas por excelência; tal que a função da morte seria cessada pelo bom senso tanto quanto Luís XVI gozava de seu próprio: poder só respeita poder. Fazer, pois, ascender, a possibilidade de um lugar de fala apropriado desses povos (já há muito capacitados para tal) trazia à ágora pública uma voz antitética e ungida, capaz de representar com brio os interesses nativos. Até lá, entretanto, fica a espera sôfrega de um triste fim, não de Policarpo Quaresma, mas de toda uma busca – outrora contumaz e límpida – de uma identidade sumamente brasileira; cambiada, sem rodeios, pela hodierna hegemonia da ‘novíssima tradição’ do neoliberalismo.

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