Em Tábuas Novas, um velho adágio

Charge por Laerte.

Em Tábuas Novas, um velho adágio

Fernando Balduino

Nem sempre é fácil a operação de constatar o menino como pai do homem. É mais lance afora, desses que se segue ou com sorte ou com insistência; e que, em geral, revela-se unicamente a partir d’uma individualidade desnuda, isto é – sincera mais para com o outro do que para consigo; nisso estando esculpidas todas aquelas inclinações do espírito que regem o ser no mundo, como as crenças parciais ou totais nas construções sociais e biológicas que se dizem família. Discutir-se-ia sem pretexto se disto ou daquilo se fala em família: citariam de Anna Karenina a Kasper Houser; dos Bourbon aos inuítes; mas tudo ainda sem pretexto ou conclusão satisfatória. Pois, o fato outro e bem maior é que é ideia – móvel e gelatinosa, portanto. Pega-se, assim de outrora, o quase industrial quadro decorativo dos salões monárquicos europeus, ou o retrato fatídico de algum médio American Way; compara-se a configuração com a moderna, e conclui-se, pá!, como fosse “celebrai, ó Homem!”. Mas tudo isso sem repensar a fórmula do adágio. Apesar, sem-problemas: porquanto anterior o retrato às fronteiras, o mais da conclusão do rebanho é lobo, posto antes o louvor ir às diversidades do que a um rompimento do pragmatismo – social e biológico.

À impressão de finais ocorre o mesmo que com a pintura infantil. A árvore e o sol são pintados a esmo, com uma brutalidade que, por sorte, acaba preenchendo o interior das figuras. Alguma autoridade, então, vem se fazer por achada, e reivindica uma impressão com mais parcimônia. Tanto o rebanho quanto o infante se frustram com a palavra e com o tom, e assim pintam tom sobre tom – cada vez mais díspares da ideia primária, de modo que uma já mais se não reconhece. No Ocidente, citando caso, pintou-se o paternalismo. “A mulher esteja calada na Sinagoga”, disse Paulo; reproduzindo o veneno viperino que jurou odiar, e, como o bom pastor, pondo-se a ajuntar seu rebanho por uma iluminada ideia do bem – antes esforço do que adequação ao amor, e eis aí o gérmen caótico que se infiltra no coração dos Homens, tornando-os seus pequenos: ditadores; porquanto recheados de amores. Sim, desde os retratos até a organicidade do tecido social surge a pragmática não de uma excrescência abiogenética do espírito e dos caráteres; sim, da repetição dessas velhas verdades nas manhãs de domingo, nas terças no pátio do colégio, e no mais dos dias nas rádios, televisões e internet. Ao molde, Árvore e Sol, cumpre “a quem fala, quem silencia”, “como falam, como silenciam” – tudo com o mel do afeto, com o tom da autoridade parcimoniosa que, no recente, permite corar novas, em relação a alguma outrora; mas ainda a bradar sem tréguas quanto à figura original, sangrando a modernidade pelas chagas de sempre, dado nada se faz novo debaixo do Sol.

Assim, podem bem e por bem concederem-se ilusões de movimento aos rebanhos e suas famílias mais que modernas; mas vê-se que não é necessário trocar o adágio. Menos se fazem pais de homem os meninos por cálculo econômico de coração do que por formação transgeracional de personalidade: na sociedade, pois, é o fundamento d’um existir colorido; o que, por metafísica e catóptrica, espelha o ser a outro, nele cingindindo-se – por bem, dada a variedade; mas também por mal, dada a fatídica alienação sociológica.

 

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