Cristã e Apóstola

Por Geórgia Alves

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Cristã e Apóstola

Esse texto não quer um perdão, tão pouco um hino salvífico entoado em igrejas em órgãos ao fundo. Talvez sua rendenção seja somente o ardil do esquecimento. Ocorreu enquanto Laurence Brown dedilha  inspired abandon em mood índigo ao lado de Johnny Hodges. Pois, fazer amor em tempos de exceção é luxo.

Nem solteiros nem soltos podem se dar. Então, pintando o quadro, imaginamos que, como nós, outros estão abstêmios. E assumimos o distanciamento como gesto definitivo. Desencavamos subjetividades dos livros e as frases correspondem a apelos de celíacos e celibatários. E o corpo adormece exausto em extraordinárias condições de ausência da habitual pulsação da vida.

Para muito depois ficaram as pulsões. Encerramos o corpo no território limitidado de guerras e camas vazias. Se encontrar um corpo que deseje logo soa a sirene, não é  boa ideia, E não passará do campo minado das idéias. Um circuito delimitado de tempo espaço cerceado, do aprisionamento dos corpos pelo bom senso, bom comportamento.

De mais a mas mesmo, subvertemos conjunções. Advogando solidões sofisticadas. Adversamos, ao invés de reunir. Era para ser tempo de tudo, de inventar de um tudo, em vez disso são tempos obscuros de meras imagens. E artíficies mundanos no claustro dos imaginarios ora projetando cenas tão sem pessoalidade que um travesseiro basta. Basta destender o músculo e me fazer de adormecida nos benditos lençóis em excesso, benditos desejos presos entre tecido e pernas.

Disponho água quente, suavemente, a escaldar pés, como Cristo e apóstola de mim mesma, abro a garrafa de vinho e a caixa de chocolate amargo, meus contorcionismos não me fazem esquecer, diariamente, ou menos ainda, noturnamente, incêndios da alma. Não irei queimar num tempo tão na exíguo depois que sobrevivi. Durmo, como a pedra diante de outra pedra, exposta em museu. O sonho vem. A noite toda sou pedra e sono. E a pedra que dorme, sonha.

Quando acordo,  clara surpresa, descubro que Ele faz amor comigo. E não seria ele outro senão o criador? Sou quem me inventa? Projeta em mim uma imagem, enquanto ser extraordinário, caso, o caso é excepcionalmente raro de uma vida sem mais? Nem acaso. Espantaria menos corvos em milharal, Dorothy. Caso estivéssemos ao mesmo teto! E não estamos sequer no perímetro urbano. Adélia? Do contrário, és a sigla nova: AAD. Amores à distância.

Sei que, do inesperado, vejo irromper em meu corpo o estrangeirismo dele, onde estiver, crente, creio que tem controle sobre meu corpo, sob meu desejo, é meu o desejo? É nosso, há o que se pode chamar de “sentimento”? Quem somos se sequer conhecemos nossos defeitos? É irrefreável a sucessão dos fatos. E inexplicável, se fosse pilotar sonhos, acabaria por nada fazendo tudo. Somente me deito e durmo, então acordo e lembro que, de novo, sonhei a noite inteira. A lua inteira. E as estrelas espocavam. Agora, são faíscas, sinto atingida severamente, por uma flashback do passado que não houve e observo atônita a movimentação de corpo, involuntário, e ,ame submeto a que desejo? Rolo pedra a cima a lenda.

A parlenda de que sou inocente. É que vivi nesta data algo sem precedentes. E são, tão somente, sensações. Primeiro, sonhos. Gosto inventado. Quadro pintado, boqueaberta vi morder a ponta do dedo e vi morder também a fina pele dos lábios, presos pelos dentes, meus dedos retraídos. Mais que beijo, vejo estes lábios, secos, dizem de lá: paka-paka! E buscavam carne, não era carne, era beijo e sucção.

Mãos e cilios piscando, carne ao sol e feijões mágicos, pequenas circularidades aspergidas. E o gigante em seu castelo, nas nuvens, sim, couberam os sonhos como cacho de uvas e os dedos. E devorou-me? Ou decifrava-se? E o que não é de corpo, como se chama? Seixo? Singrar o etéreo território corpóreo de pensamento? Amor é código, signo polissêmico, vulcão, ventre aceso. Alma lava.

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@georgia.alves1

 

 

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