CONVIVÊNCIA HUMANA COMPARTILHADA: CORRESPONSABILIDADE E HARMONIA SOCIAL

CONVIVÊNCIA HUMANA COMPARTILHADA: CORRESPONSABILIDADE E HARMONIA SOCIAL

Devanildo de Amorim Souza

Advogado, Mestre em Direito e escritor.

Enquanto seres humanos, conforme Aristóteles nos ensina, somos naturalmente seres políticos; entretanto, isso não assegura, por si só, uma convivência harmoniosa com nossos semelhantes na sociedade.

Durante um diálogo com um amigo próximo, a quem dedico este texto, lembrei-me de uma observação intrigante apresentada pela primeira vez pelo estimado professor Clóvis de Barros Filho, que me fez recordar a célebre frase de Jean-Paul Sartre: “O inferno são os outros”.

Jean-Paul Sartre (1905-1980) foi um escritor, filósofo e dramaturgo francês, considerado um dos principais representantes do existencialismo no século XX. Sua vasta produção intelectual abrange obras filosóficas notáveis, como “O Ser e o Nada” e “Crítica da Razão Dialética”, além de peças teatrais aclamadas, como “Entre Quatro Paredes” e “A Mosca”. Inquestionavelmente, Sartre é um ícone consagrado no âmbito da filosofia mundial.

Sartre, na célebre peça “Huis Clos” (em francês) ou “Entre Quatro Paredes” (em português), escrita em 1944, imortalizou a frase “O inferno são os outros”. Nesta obra, três personagens encontram-se confinados em um ambiente claustrofóbico, sendo forçados a conviver uns com os outros. Tal convivência acaba por expor seus conflitos internos e torna a situação progressivamente mais insustentável.

Em meio a esse cenário, Sartre apresenta a emblemática frase, propondo que o inferno não reside em um local físico, mas sim nas relações que estabelecemos com os outros. Dessa forma, é fundamental recordar que nem sempre o outro está equivocado e que nós também contribuímos para esse inferno, conforme o próprio Sartre enfatizou em sua obra.

A frase de Sartre é frequentemente interpretada como uma crítica à sociedade e à maneira como os seres humanos se relacionam uns com os outros. No entanto, essa interpretação pode levar à ideia de que sempre somos a vítima e que o outro é sempre o responsável pelos nossos problemas.

Na realidade, é importante lembrar que nós também somos parte desse inferno. Muitas vezes, nossas próprias ações e comportamentos contribuem para os conflitos e desentendimentos que temos com os outros. Portanto, não podemos simplesmente culpar o outro e ignorar nossa própria responsabilidade.

Ao admitir que também somos componentes desse inferno, assumindo nossa parcela de responsabilidade, podemos iniciar um processo de autoconhecimento para aprimorar nossas relações interpessoais e, dessa maneira, amenizar o tormento que frequentemente experimentamos na convivência com os outros.

A adesão a uma doutrina convicta de sua verdade inflexível é um mecanismo desprezível que busca se proteger de críticas que possam expor suas falhas, conforme explica Edgar Morin em “Os sete saberes necessários à educação do futuro”. Essas supostas verdades universais se apegam à própria cegueira para se blindar de argumentos que desvendem seus equívocos e fragilidades.

José Saramago, em “Ensaio sobre a Cegueira”, retrata de forma vívida a referida cegueira, expondo a dualidade inerente à natureza humana, que flutua entre o egoísmo, a solidariedade e a dependência de estruturas aparentemente sólidas. No entanto, tais estruturas podem ruir em face de crises ou diante de sentimentos inerentes a condição humana, enfatizando o contraste entre essas construções e a realidade em si.

Conforme Nietzsche enfatiza em “O Crepúsculo dos Ídolos”, “que os ídolos aprendam de uma vez por todas o quanto custa ter pés de argila”, destacando que as criações humanas raramente alcançam a perfeição. Somos seres passíveis de aperfeiçoamento, condicionados a lidar com nossos vícios e virtudes ao longo da vida. Essa ideia é bem ilustrada na escultura “Self-Made Man” do artista americano Bobbie Carlyle, que retrata um homem esculpindo a si mesmo a partir de um bloco de pedra bruta, simbolizando o processo contínuo de autoaperfeiçoamento e desenvolvimento pessoal.

Portanto, é essencial entender que, independentemente de quão “perfeito” alguém possa se considerar, o enfrentamento das próprias vulnerabilidades é uma tarefa inevitável. Frequentemente, a ilusão de perfeição serve apenas como um véu para encobrir as fragilidades e limitações intrínsecas à condição humana.

@devanildodeamorimsouza

Petrolina, PE, sexta-feira, 12 de maio de 2023

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