COMEÇOS INESQUECÍVEIS

COMEÇOS INESQUECÍVEIS

Ludo Santos – Primavera de 21

O Luís Fernando Veríssimo em seu livro “Banquete com os deuses” elege os três melhores começos de filmes que já assistiu. São eles: A Raposa do Deserto, Janela Indiscreta e o seu campeão Yojimbo. Assisti os três, mas não me recordo do início do filme sobre o Marechal Rommel, pois tinha uns 12 anos quando o vi num cinema empoeirado em Ponta Grossa. Já o thriller de Hitchcock e o “faroeste” japonês do Kurosawa são realmente merecedores de figurar em qualquer antologia sobre o tema.

Depois disso, o Veríssimo me desafiou – sim, eu sou um dos 17 leitores que ele diz ter – para escolher também os meus começos favoritos, não sem antes me pedir para não enviar minha seleção para ele, pois quer morrer com os de sua escolha. A título de esclarecimento, a gentil solicitação foi feita a todos os seus 17 leitores e extensivo a quem mais porventura acompanhe as suas crônicas por este Brasil.

Aceitei o desafio e fiquei muito feliz porque já de cara, com uns 5 segundos de jogo, lembrei-me do meu predileto. Foi pule de dez, pois além do começo genial do filme, tenho pra mim que o seu final é o melhor que já houve na história da sétima arte. Já os outros dois, Santa Maria… Uma semana e os meus neurônios só assobiando, fazendo de conta que nada era com eles. Assim, meu último recurso foi apelar pra cola. Puxei da estante surrados livros sobre cinema, do baú velhos cadernos com anotações sobre filmes ao longo dos anos e, depois de algumas horas de uma preguiçosa pesquisa, arranquei do Tico e Teco mais dois títulos com os quais finalmente montei o meu pódio com os três vencedores.

Começo pela medalha de bronze. Ela foi para um clássico em preto e branco de 1957 que abre com um plano-sequência que entrou para a história do cinema. Dirigido por Orson Welles, A Marca da Maldade começa com uma câmara focalizando uma bomba-relógio na mão de um homem numa galeria. Depois disso o acompanhamos correndo em direção a uma rua e armando a bomba num carro. Logo em seguida, um casal se aproxima e sai com o automóvel. A grua sobe rapidamente e a câmara magistralmente gira por cima um telhado e alcança o veículo rodando lentamente numa via congestionada por transeuntes, carrinhos de ambulantes, cabras, guardas-de-trânsito, policiais e por último o mocinho e a mocinha do filme – Charlton Heston e a Janet Leigh. Sabemos o que vai acontecer, mas não quando. Tudo isto numa tomada só, sem cortes, num genial plano-sequência de três minutos que prende nossa respiração até o desfecho da cena de forma brusca. Só então começa a história.

Já a prata vai para um começo gravado às 5h da manhã no dia 2 de outubro de 1960, em Manhattan. Depois dos letreiros da Paramount, um taxi surge na tela rodando numa impensável 5° avenida vazia mesmo para aquele horário, passa por algumas lojas, diminui a velocidade e para no número 727. Uma mulher de óculos escuros e luvas compridas, dentro de um elegante longo preto, desce do carro e olha a fachada da loja onde se lê Tiffany & Co. Então se dirige a uma vitrine e abre um pacote com um bolinho doce e um copo de café e faz seu desjejum fascinada com as joias expostas na joalheria mais famosa do mundo. Depois, anda mais uns passos, na esquina dobra na 57 e caminha até encontrar uma cesta de lixo para o seu pacote. Eureca! Estava gravado o antológico começo de A Bonequinha de Luxo com Audrey Hepburn no papel da garota de programa Holly Golightly, baseado na novela do irascível Truman Capote (não queria Audrey no papel e sim Marilyn Monroe).

Não foi nada fácil para o diretor Blake Edward chegar aos 2 minutos e 23 segundos desta sequência montada em apenas seis takes, já que naquele domingo frio seis mil pessoas se acotovelavam na calçada querendo acompanhar as gravações. Por conta desta multidão de curiosos, Audrey estragou tomada após tomada, pois ficava nervosa quando sabia que havia alguém a observando interpretar. Audrey também não gostara do bolinho e após quatro ou cinco repetições de cenas, pediu para o diretor trocá-lo por um sorvete, no que obviamente não foi atendida. Como explicar um sorvete com café no desjejum?

Audrey ainda teve problemas com o Givenchy desenhado especialmente para aquela sequência. O tubinho era tão justo que não a deixava caminhar sem parecer uma gueixa. O jeito foi alternar as tomadas com um vestido reserva idêntico ao original, mas com uma longa abertura lateral. Assim, Audrey teve um pretinho para olhar a vitrine e outro pra andar em frente à loja.

Se gravar as externas já tinha sido um pesadelo para Blake Edwards, multiplique por dez as dificuldades encontradas pelo diretor para registrar a única cena prevista dentro da loja, onde o mocinho George Peppar pede ao vendedor para fazer uma gravação num ordinário anel do personagem de Audrey. A gerência da centenária joalheria não aceitava a ideia de ter uma equipe inteira de filmagem mais atores e extras instalados em meio a algumas das joias mais valiosas do mundo. Foram seis meses de duras negociações até que a Tiffany concordou finalmente em abrir suas portas num domingo. Era primeira vez que isto acontecia desde a fundação, em 1837. Mas exigiu uma contrapartida: Audrey teria de vestir o famoso colar Schlumberger com o diamante amarelo de 129 quilates – o maior do mundo então – para anúncios publicitários. Dentre as muitas fotos que tirou com o milionário colar, uma delas, em que ela aparece também com uma extravagante piteira, além de servir de peça publicitária e cartaz do filme, se tornaria um dos maiores ícones de elegância e beleza do século passado.

Caro leitor, devo lhe pedir desculpas nesta altura da premiação. Por questão de espaço, preciso fazer uma pausa, já que o texto atingiu os dez parágrafos prescritos como de bom tom e também porque o filme vitorioso requer tantas linhas quanto os outros dois medalhistas. Assim, interrompo o papo por aqui, prometendo retomá-lo na próxima rodada com todos os devidos louros ao legítimo e insuperável campeão.

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