Biblioteca de lembranças

Biblioteca de lembranças

Eugênia Câmara

Ao envelhecer, deixamos de ter gavetas de memórias e passamos a ter biblioteca de lembranças. E são esses guardados que surgem nas madrugadas insones.

Numa dessas, lembrei do meu período de férias em Atlântida, durante minha infância, juventude e início da fase adulta, quando a casa de praia dos meus pais foi vendida.

Tantas histórias ali foram vividas, que seria impossível escrevê-las aqui. Claro que minhas lembranças são vistas em rotação 78, como nos antigos discos. Ou quem sabe como numa filmagem flashback? Bem, pouco importa. Agora citarei apenas uma, ou quem sabe algumas, como que para exorcizar as noites mal dormidas.

Tudo nos anos 1970 era mais simples. Caíamos de bicicleta e continuávamos pedalando como se nada tivesse acontecido. Íamos nos dar conta que estávamos sangrando quando alguém nos avisava: Olha, teu joelho está machucado e sangrando! Mas a brincadeira continuava.

O curativo era feito apenas quando chegávamos em casa. Aí sim, começava o ritual materno: lavar o machucado com água e sabão. Colocar água oxigenada – adorávamos quando a ferida fervia – quantas vezes fossem necessários e, depois, mertiolate ou mercúrio cromo. E, para finalizar, um pozinho chamado Anaceptil: Para não deixar infeccionar, dizia, minha mãe.

A avenida Paraguaçu não era asfaltada, nem movimentada. Andávamos por ela, sem medo de atropelamento, fosse a pé, de bicicleta ou a cavalo. Sim, cavalos. Naquela época tinham pessoas que alugavam cavalos na beira da praia pelo período de 15, 30 ou 60 minutos, não lembro direito. Mas o fato é que locávamos o tal cavalo para podermos cavalgar pela praia sem medo de cairmos ou nos machucarmos pelo estribo enferrujado. Caso isso ocorresse, nada que um curativo de mãe não curasse. O pelego era fedorento e o pobre do cavalo mais ainda, mas isso era o de menos. O importante era andar a cavalo livre, leve e solta.

As lembranças da praia, são de liberdade – vigiada, claro, mas de liberdade. O que dizer dos bailes de carnaval da SABA? Quando criança, ia a tarde. Mais tarde, na adolescência, à noite. Me sentia a adulta. Nem tanto, porque para poder ir, tinha que levar meu irmão de arrasto que se materializava sempre que estava pulando com algum menino e fazia me lembrar que ele estava ali para me “cuidar e vigiar”, o que me deixava possessa. Confesso que esse ranço da época não recordo com carinho. Aliás, me lembro de sempre bater de frente com minha mãe por causa disso.

Também poderia ir para o carnaval com algum primo ou alguma amiga. Aí o baile ficava muito mais interessante. Pulava a noite inteira e, depois, quando a noite encerrava com a famosa marchinha “está chegando a hora meu bem, eu tenho que ir embora…”, todos sabiam que a festa tinha terminado.

Então, nós jovens remanescentes, atravessávamos a rua e íamos ver o sol nascer, não sem antes entrar nas águas geladas da praia de Atlântida. Depois, voltávamos para a casa suados, molhados, salgados e cansados. Após o banho, literalmente caíamos na cama para o sono dos justos – até o final do dia.

É: naquela época não sabíamos o que era insônia. Mas, às vezes, é bom lembrar o passado. Quem sabe ele não nos traga o sono de volta?!

@mecalves

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