A PELE DE LÁZARO.

Antônio Pimentel

Terminei a leitura do livro Na Minha Pele (Objetiva/2017), de Lázaro Ramos, ator competente e conhecido. Ler o livro foi caminho para conhecê-lo melhor e muito mais: foi um mergulho no debate, na percepção e na busca de compreensão do que é ser negro no Brasil. Tudo importante. Tudo marcado pela verdade do escritor, que nos proporciona uma jornada de emoções, reflexões, indignações e proposições. O livro é um bate-papo, conversa de companheiros de viagem, mas é uma pancada no racismo nosso de cada dia.
Lázaro diz que “a linha que costura este livro é a minha formação de identidade e consciência sobre esse tema, mas que, no fundo, é só um artifício para falar de todos nós.” Identidade e consciência de um negro numa sociedade de hegemonia branca. Jornada difícil, desde sempre. Nós, leitores, podemos seguir a viagem e aprender, mas é impossível sentir e saber o que é viver na pele de Lázaro. Experimentamos aproximações.
Um aspecto da vida de Lázaro Ramos é meu conhecido. Ser pobre e transitar entre pessoas remediadas ou ricas. Nasci numa família pobre. O acanhamento que a pobreza nos traz é experiência pesada. Até hoje, remediado e vivido, tenho dificuldades com alguns ambientes. Observo isso em muitas situações: o cidadão que passa na porta do Palácio das Artes, em Belo Horizonte, um espaço público, e não se sente à vontade para entrar. A moça que quer comprar uma roupa e não consegue entrar numa loja chique do shopping. A experiência dura do adolescente que vê a jovem bonita, cuidada, bem-vestida, mas pensa “não é para mim”, “não tenho cacife para chegar nela”. Nas três situações, a pessoa sente-se intrusa, fora de lugar, menor. São marcas da privação. A pobreza, muitas vezes, devora a autoestima, autoconfiança e segurança das pessoas, jogando-as numa vida social sombria.
Lázaro, na infância e adolescência, enfrentou os desafios da pobreza – acanhamento e interdição -, mas central na sua história é o racismo. Ser pobre, ser negro e ser negro pobre são três condições sociais radicalmente distintas no Brasil. O livro tem passagens autobiográficas, mas esse não é o seu cerne. Sua entrega é uma reflexão tensa e corajosa sobre nosso racismo. Tem causos e bom humor? Tem. Lázaro é bom de papo. Mas a leitura nos leva ao encontro com o preconceito. Faz a gente ver como racismo é forte no Brasil e está conosco: olhares, atitudes, brincadeiras, comentários. Está até mesmo na nossa negação do racismo ou sua abordagem, num país de pobreza e miséria, como coisa secundária, residual.
Lázaro Ramos, com a ajuda de muitas outras vozes, aponta o dedo para nossas práticas racistas e debate propostas para o enfrentamento e a superação do racismo. Seu livro não é de lamúrias. Não é um livro de denúncias. Melhor dizer: é um livro de anúncio. É propositivo. A educação, a informação, o conhecimento e o empoderamento são fortes apostas de Lázaro.
Terminei a leitura e fiquei folheando o livro. Buscava uma síntese do que li. Procurava resumir meu sentimento diante de tudo que ouvi Lázaro falar. O título Na Minha Pele foi uma das âncoras que encontrei: ouvi a voz de quem tem na pele uma forte marca social e sofre na pele o racismo. Outra âncora: a luta de Lázaro para ir em frente e buscar um jeito novo de viver, o que é muito forte e bonito quando ele fala dos cuidados com a educação dos seus filhos. Por último, uma âncora que está no comecinho do livro, a epígrafe com uma citação do rapper Emicida, que conheço pouco: “Todos nós somos educados de uma maneira muito torta acerca do outro. O que a gente pode fazer é admitir que estamos em obras e ir corrigindo isso.” Âncoras são pontos para eu fixar minha leitura.
O Brasil é um país torto. Temos uma educação retorcida em muitos aspectos, mas ela é especialmente tortuosa no desenvolvimento de nossas competências pessoais e relacionais: aprender a ser e aprender a conviver. Relações de dominação, subalternidade e apartação são ensinadas e aprendidas nas famílias, escolas e comunidades. É preciso mudar! Lázaro Ramos nos convoca para essa mudança, com problematizações, ideias, críticas e dúvidas, sempre com afeto. “Mas afeto é potência”, diz ele. É.

@antoniopimentelbh

23/04/23