Da Rússia aos EUA. De Chicago a Braga, em Portugal.

Da Rússia aos Estados Unidos. De Chicago a Braga, em Portugal

Diálogo com o escritor nômade, fiel como os pássaros migratórios

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Geórgia Alves

A Bienal Internacional do Livro estará de volta à sua versão presencial no próximo dia 01 de outubro de 2021. No mesmo espaço em que aconteceram as outras, esta 13ª versão toma corpo no Centro de Convenções de Pernambuco. Até lá, e para enfrentar a horrível e obrigatória experiência do isolamento social e em virtude de todas as demandas de conexões que, em se tratando da Bienal do Livro de Pernambuco nunca foram poucas, foi criada em 2020 a plataforma e-bienal.com.

Dito isto, nesta plataforma, no palco intitulado “Circuito das Ideias”, a jornalista e também escritora Geórgia Alves entrevistou o escritor, professor, nômade e youtuber Flávio Ricardo Vassoler. A primeira parte da entrevista está também aqui entre outras postagens.

Vamos, agora, à segunda parte da estreia do programa Humanidades. Com os escritores Geórgia Alves, apresentadora do espaço, e Flávio Ricardo Vassoler, convidado para o ponto de partida deste projeto:

Geórgia Alves – Agora que a gente chegou, assim, no miolo da entrevista, trago a questão do seu canal (www.youtube.com/flavioricardovassoler), mencionado, o quanto há um refinamento, digamos assim, metalinguístico no seu bordão. A gente acompanha seu trabalho e o início de todos os seus vídeos traz um aforismo do Terêncio, que é “eu sou humano e, portanto, nada do que é humano me é estranho. Mas, se o espectador refinado e espectadora refinada observarem direito, não é humano, foi gravado, você está ali já numa espécie de reprodução de códigos, resumo de frames, em uma gravação em audiovisual. E, por outro lado, quem acompanha seu trabalho vê da versatilidade que a gente lê neste outro livro “O diário de um escritor na Rússia” (Hedra, 2018) na experiência da Guerra Fria, porque esteve em Chicago, depois em Moscou e outras cidades russas. Então, humano? Se é essa a expectativa de humano, estão todos os outros humanos forçados a uma realidade outra e a uma condição de superação da sua atuação no mundo. Já inspirada também por Dostoiévski… que já é um autor gigantesco para se estudar a obra: O que espera de seu duplo?

Flávio Ricardo Vassoler – O canal no YouTube é um marco, especificamente, na minha vida porque agora, pela primeira vez eu vislumbro, uma continuidade para-institucional, posso trazer comigo, para onde eu for, a essa universidade aberta. Posso trabalhar, fazendo o canal, ministrando os cursos tendo a internet como mediação, isso é uma questão revolucionária, porque um nômade, que pretende, se Deus quiser, singrar esse mundo, para mostra-lo pelos quatro cantos a vocês, a todos e todas vocês, isso me permite viajar, escrever e lecionar, onde quer que seja.

É claro que eu sinto falta, como professor, do contato direto, com alunos e alunas, em sala de aula, isso pode voltar a qualquer momento, a gente não sabe quando esse horror de pandemia vai passar definitivamente, para gente ter aí uma dimensão. Mas assim, especificamente, é uma mudança radical porque,Geórgia, com o canal, com a comunidade, as pessoas incentivando, apoiando meu trabalho, as pessoas lendo meus livros, adquirindo meus livros, existe uma dimensão agora, de fato, no meu canal, que tem apenas um ano, é a dimensão de que seja possível, viver como escritor, efetivamente.

Porque quando a gente pega assim, especificamente, é uma mudança, com o canal que tem apenas um ano, eu abro uma dimensão, agora que talvez seja viver de escrever em uma dimensão que é possível. Porque quando a gente pega a história no Brasil, com todo o respeito às editoras, com a dificuldade de letramento no Brasil, pelos projetos políticos conservadores que grassaram ao longo nossa história política, é muito difícil que um escritor e uma escritora consigam sobreviver da Literatura. Agora, isso é um marco revolucionário porque talvez eu consiga fundir o trabalho à vocação, talvez pela primeira vez de forma integral. Poder viver de escrever no Brasil.

Como você sabe, tenho uma coluna no portal Brasil247, chamada Diário de um escritor na Europa” – estou morando aqui em Portugal – e agora eu estou me dedicando à escrita diariamente, é um dos próximos livros que já está aqui organicamente sendo apresentado aí.

Então, é uma coisa muito legal trazer isso para todas vocês e todos vocês. É muito importante que as pessoas que tenham um artístico, seja literário, quando é audiovisual, bom, ele já está na matriz organicamente fundida com o meio da internet. É preciso as pessoas entenderem a necessidade de mediação nesse trabalho de divulgação, que a pessoa possa entender que o papel, falando agora da escritora e do escritor, que mudou o papel, e as pessoas que não entenderem que é preciso uma mediação com o audiovisual para obra possachegar a leitores e leitoras. De modo geral, às pessoas, quem está ainda achando que crítica formal e especializada tem condições de divulgar e vender os livros, essas pessoas não estão fazendo uma leitura acurada da realidade contemporânea, quero incentivar isso, as pessoas que estejam acompanhando essa nossa conversa, elas precisam observar que aquela tríade do grande Antônio Cândido, ela precisa ser atualizada historicamente, a crítica literáriaperdeu uma aresta: escritor/escritora, leitor e crítica, infelizmente, ela se modificou, e as pessoas não leem. Infelizmente, falo com tristeza. Mas é uma questão aí para a gente pensar.

Geórgia Alves – Mencionar aqui seus outros livros (de Flávio Ricardo Vassoler): O evangelho segundo talião (nVersos, 2014), Tiro de misericórdia (nVersos, 2014), Dostoiévski e a dialética: Fetichismo da Forma, Utopia como conteúdo (Hedra, 2018), Diário de um escritor na Rússia (Hedra, 2019) além de Metamorfoses: os anos de aprendizagem de Ricardo V e seu pai, um romance em diálogos (Editora Nômade Fiel como os pássaros migratórios, 2021). Do qual gostaria de trazer um pedacinho, na página 207, eu até gravei essa leitura(você pode conferir no canal do YouTube/Geórgia Alves). E o capítulo chama “A Literatura como má consciência da moral ou amor entre escombros”,

Flávio Ricardo Vassoler – Nossa! Um dos trechos que mais eu gosto do livro, por sinal.

Geórgia Alves – E aí, vem o Ricardo e diz: “Pai, pai! ”; “Fala, Ricardo”; “Eu tavaolhando os livros da tua biblioteca, até que eu encontrei *O retrato de Dorian Gray*, de Oscar Wilde. O prefácio inusitado é composto por várias máximas, e duas delas me deixaram bem encafifado” – Isso para as pessoas sentirem como a gente vai entrando no livro sem nem perceber –

(Continua a leitura) “Quais, meu filho? ”; “A primeira, um livro não é, de modo algum, moral ou imoral, os livros são bem ou mal escritos”; “E a segunda, Ricardo? ”; “Nenhum artista tem simpatias éticas, a simpatia ética num artista constitui um maneirismo de estilo imperdoável” – Estamos sendo assistidos por pessoas de seus cursos, posso ver alguns nomes reconhecíveis –. Mas, para a gente ver esse refinamento da sua Literatura, absolutamente acessível, e agora, sobretudo, a partir do canal, o que quebra também estratificações na formação das pessoas, o que é anda mais importante num país como o Brasil. O que me faz lembrar agora de Kafka, que escreveu um conto chamado “A verdade de Sancho Pança”, de que aquele homem simples acompanhava uma pessoa como Dom Quixote, muito em virtude do que ele aspirava. Uma vez que Dom Quixote, embora dado a problemas de sanidade mental, o cavaleiro da triste figura, ainda assim conhecia os códigos de cavalaria. E tinha um letramento que o Sancho Pança não tinha. Por isso que falei antes, que você parece fazer, leitor e ou leitora, “comer a palavra feito fruta”, pela experiência mesma da arte.

Flávio Ricardo Vassoler – O que a Geórgia está colocando – eu vou pedir à Rosely que faísque novamente na tela a informação do pix | Para adquirir o livro “Metamorfoses: os anos de aprendizagem de Ricardo V e seu pai, pela Editora Nômade é nômade.editora@gmail.com | o que eu posso dizer é o seguinte:

Hoje o escritor e a escritora precisam lidar com uma dimensão nova, uma categoria nova de pessoas que não interagem com a Literatura que é o não-leitor. Isso é muito sério. Porque as mídias sociais têm um papel – isso é uma contradição – eu estou nas mídias sociais, pelo menos todas as que eu conheçoInstagram, Facebook e YouTube, o canal é meu carro-chefe, digamos assimE o meu receio, que é um receio que me parece um receito bem objetivamentedeterminado, é que as pessoas estejam substituindo o contato com os livros pelo contato com os vídeos que explicam os livros. Inclusive, sempre que eu faço uma resenha eu tento aprofundar ao máximo e fazer ligações intertextuais, aguçar as pessoas a lerem os livros essa é sempre a minha intenção. Então, a minha tentativa, é uma tentativa embasada pelo lançamento do meu livro. A Geórgia falou sobre meus outros quatro livros: o romance – romance al quebrado – “O evangelho segundo Talião”; que saiu pela editora nVersos, em 2013, o livro de ensaios e aforismos “Tiro de Misericórdia”, que saiu pela mesma nVersos, em 2014; e a minha tese de Doutorado “Dostoiévski e a Dialética: Fetichismo da forma, utopia como conteúdo”, e o livro de ensaios, ficções e crônicas Diário de um escritor na Rússia”, que saíram em 2018 e 2019, pela Hedra.

E o que a gente percebe – que não é o que um escritor gostaria que acontecesse, mas entre o que eu gostaria que acontece e a realidade e se eu ficar chorando,uma perda de energia, já chorei muito, é uma perda de energia enorme, por isso eu me coloco pelo pragmatismo para tentar chegar até as pessoas – E o que eu percebi, realmente, é que as pessoas conhecem muitas vezes, não todas, mas muitas vezes, menos o meu trabalho e a minha trajetória como crítico literário na Folha de São Paulo, no Estadão, ensaísta pela Revista Cult, Carta Capital,Piauí… E também os meus livros. Conhecem mais as minhas palestras e aulas para depois chegarem à Literatura.

Por que?

Quando você tem duzentos ou trezentos anos nas costas, de tradição, de quando a Literatura tinha um papel social completamente relevante, você tem uma inércia de autoras e autores que já são conhecidos pela tradição. Hoje, um escritor e escritora contemporâneos aí têm uma dimensão de que tentam encontrar pessoas interessadas na Literatura atual. E não só nessa ossificaçãomaravilhosa dos clássicos, mas que muitas vezes, em contraste com o que acontece agora, dificulta – não os clássicos em si – mas o que a sociedade contemporânea, o neoliberalismo, o que esses fatores vêm fazendo aí com o desletramento.

Então, mais uma vez. Hoje, lendo partes do meu quinto livro. Então, falando sobre meu livro, despertando o interesse sobre obras literárias, obras fílmicas,nas aulas falando sobre a Literatura, sempre, sempre. Isso pode gerar a vontade nas pessoas de querer conhecer o escritor Flávio Ricardo Vassoler, se vocês perguntarem onde está meu coração eu vou dizer: Está na Literatura.

Mas, como eu não sou, gente, filho de banqueiro, rentista, preciso trabalhar para sobreviver. Eu preciso vender a minha força de trabalho para sobreviver.São esses aspectos. Como cientista social eu utilizo a minha formação para fazer avaliações de como se movimenta a realidade, histórica e material. Essa Literatura trazida aqui, Geórgia, isso é a sensibilização da Literatura, eu posso ler um trecho do meu livro, que está aqui na contracapa?

O livro tem essa lombada vermelha. Minha irmã e eu, Larissa Wosniak Vassoler, autora dessa belíssima foto, pensamos em espelhar esse vermelho na lombada, a foto na capa e contracapa. Um trabalho muito bonito e não estou sendo irmão coruja. Para vocês sentirem essa tonalidade de prosa poética do livro:

“Pai, pai” – “Fala, Ricardo”. – Isso ele está falando já é o Ricardo, você á tem o filho mais velho, não é mais o Ricardinho – “Por que a bondade é tão frágil? Que pergunta dolorida, meu filho. Ela me faz lembrar que a mão aberta em palma pouco pode contra o punho cerrado, que a pétala exala perfume até a ferradura soterrá-la, que a reconciliação própria ao orvalho é alagada pela chuva, que há muita luz, mas pouco calor na saudade, que o palhaço, menestrel da alegria é condenado ao sorriso, que dez mãos em mutirão levantam uma parede, mas umúnico coturno já basta para a ruína”.

Por que é que eu escolhi esse trecho aqui para a contracapa – e quero agradecer mais uma vez a Rosely que está colocando as informações sobre o livro | para quem quer adquirir é nômade.editora@gmail.com | – Por que é que escolhi esse trecho para a contracapa do livro Metamorfoses? Essa pergunta sobre a bondade, ela é uma pergunta que remonta à pré-história do livro, eu contei um pouco da história, mas vou contar da pré-história.

Em 2017, eu ainda estava morando, estava terminando o meu Pós-Doutorado na Northwestern University em Chicago, nos Estados Unidos, e tive vontade de escrever versão contemporânea, Geórgia, do conto do Machado de Assis, “Teoria do Medalhão”. |publicado originalmente na Gazeta de Notícias, em 1881|.

Em que o pai, no aniversário de 21 anos do filho, antiga maior idade civil e penal no Brasil, em meados do século XIX, da época, o pai vai dar lições de bem viver para o filho, mas lições maquiavélicas, lições de ensinamento de como se dar bem, de como viver uma vida farisaica, eu acho aquele conto genial como denúncia dos artífices, dos artifícios da elite brasileira de então, como da agora,para se perpetuar no poder. Ao mesmo tempo em que há um grande pessimismo existencial como só vai encontrar na obra do Machado.

Quando eu comecei a escrever a minha versão de “Teoria do medalhão atual, eu estaquei, a Geórgia sabe, conhece o meu trabalho, eu vou que vou, eu vou fazendo, eu não tenho dificuldade para escrever, e o que é que aconteceu?

Eu disse “não”. Está faltando amor aqui. Se eu fosse pai eu jamais falaria essas coisas para meu filho, não era assim que eu ia falar com ele. E mesmo nesse texto brilhante do Machado está faltando o que eu acho que o Guimarães Rosa tem. Cadê uma dimensão de trazer ali um afeto efetivo?

E aí começou a nascer uma ideia, a germinar uma ideia, aí começou a nascer uma ideia que não está presente em “Teoria do Medalhão” que é a dimensão de se perguntar pelo fio de esperança. Se eu tivesse um filho não ia falar assim com ele. Tudo bem, o pai está preocupado com o filho nessa sociedade odienta. Mas.Cadê uma dimensão de trazer ali um afeto efetivo? E aí, começou a germinar em mim uma ideia desse diálogo entre pai e filho. Uma coisa que eu acho que falta na Literatura do genial Machado, da qual eu gosto tanto, que é um fio de esperança. Então, eu juntei várias imagens aqui, o pai junta várias imagens de “ímpeto da esperança”, “da bondade”, agora parece que concentrou tudo num país só, num tempo só, na contemporaneidade.

Essa fala, que está acima dessa imagem tão benevolente, dá um tom deparadoxo do livro. E eu chamo o ser humano nesse livro de paradoxo bípede. O trecho presente na contracapa, é alguma coisa que traz o paradoxo não está presente no conto do Machado, que eu adoro, enquanto ímpeto do orvalho em face da destruição que a história vem trazendo e que parece que concentrou tudo num país só. A dor, o sofrimento, a esperança e a persistência, a resistência, a dimensão de permanência. Diferentemente de Brás Cubas, não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da minha miséria. BrásCubas, no capítulo das negativas, ele sabe que está legando algo no mundo, então ele tem afinidade com o mundo, se de fato ele não quisesse legar nada a nenhuma criatura ele não teria escrito. E ele não teve filhos, por que está escrevendo ali as memórias dele, por que ele? Por pura vaidade? Por que ele é bom? Ele sabe que é bom? Brás Cubas sabe o que ele está legando ali. Aliás um legado que parece restou-lhe o que veio à tona agora. Se de fato ele não quisesse legar o legado de nossa miséria, ele não teria escrito.  

E o pai do Ricardinho, junto com sua esposa, se tornaram pai e mãe do Ricardinho. Então, ele ali, trazendo esse diálogo com o filho. Essa é a dimensão do livro.  E conforme pai e filho envelhecem, os dois vão envelhecendo, o Ricardo vai se tornando adulto, e o pai do Ricardinho vai envelhecendo, mas vai acompanhando o filho. Uma das dimensões do Metamorfoses aqui é, primeiro é a dimensão do Ricardinho, depois do jovem Ricardo e seu relacionamento com a Marcela, tem o deslumbramento, o momento vivido com a Marcela na Rússia, junto com sua esposa, eles se tornaram pai e mãe. E ele está ali, trazendo o diálogo com o filho. Uma das histórias subliminares é a história do jovem Ricardo com a Marcela. Tem a dimensão, e eu vou dizer para vocês, tem o término.

E é bonito porque o pai, em nenhum momento, pelo menos no final do relacionamento, ele vai tentar ser justo, nem ele vai amenizar para o filho, ele vai tentar ser justo, fala bem da Marcela, e o Ricardo fica louco, mas você está tomando partido dela, e eu aqui? E como sua esposa que é dimensionada ali, tem um aprendizado bonito do decantamento da dor, é um romance que parte das ideias, um romance de formação em diálogos, filosófico, psicológico, que traz dimensões do pai falando também como é que a banda toca, obviamente apresentando o ser humano como ele é e não como a gente a dor, o sofrimento, o cetismo. Ao mesmo tempo a resistência. A política brasileira, sobretudo em âmbito nacional, ela não caiu do céu. Ela faz parte do Brasil O romance de formação “os anos de aprendizagem”, traz obviamente as coisas como elas são, não como gostaríamos que ele fosse, a gente pode falar de alienação, mas também pode falar em maldade.

Geórgia – Esse é o ponto. Para não perder o fim da meada, o ponto da Metamorfose. Me parece uma publicação propositada em promover essa transformação, é um livro crucial e que fornece as ferramentas necessárias para a metamorfose, para entender esse mundo novo, aqui somos personagens Kafkanianos, falando de nossos lugares privados para esse lugar completamente exposto da Internet, esses mares a serem singrados, daqui até Portugal, do Brasil ao Japão, e tudo mais. Mas essa maneira da metamorfose acontecer de forma a não perder uma poética, essa uma adição do afeto é imprescindível, e como é feita em diálogos, são duas perguntas: o que é preciso para que a metamorfose aconteça e que haja um engajamento político, esse letramento.Para que haja uma transformação nesse ambiente, porque não é só saber ler a Literatura de forma mais refinada, com essa nova formação, a partir das ferramentas – claro, vai ter que adquirir o livro, porque não é possível ir sozinho nessa caminhada e como ter condições de acessar esse letramento e essas ferramentas, para compreender o refinamento da Literatura e atuar nela a partir dessas novas linguagens, a partir desse novo ambiente?

Flávio Ricardo Vassoler – Vou pedir licença para ler novamente um capítulo do livro, página 121, do capítulo Admiração e inveja: gêmeas bivitelinas? ”. Vejam, admiração e inveja, a gente sabe que são muitas vezes duas faces de uma mesma moeda. E aí o título do diálogo é uma pergunta: gêmeas bivitelinas?. A forma diálogos para mim é muito importante pra mim, por toda minha formação,Geórgia, Sócrates. Platão mudou a minha vida. Dostoiévski tem nas suas obras, o transpasse radical dos diálogos, então, eu gosto muito da forma dos diálogos para a Literatura, eu, em diálogos com as pessoas sempre procurei apurar essa dimensão de pensamento crítico. Então, eu vou ler esse capítulo onde afinal o transpasse dos diálogos, um diálogo ácido, mas que ao mesmo tempo vai abrindo um horizonte trazendo uma dimensão para como as coisas são e também como elas poderiam ser também:

– Pai, pai.

– Fala, Ricardo.

É verdade que a inveja é uma forma de admiração?

– Eu receio que sim, meu filho, infelizmente. Senão, vejamos, você acha que as pessoas sorriem pelo outro, com verdadeira alegria, diante de suas conquistas?

– Raramente, pai.

– Você acha que as pessoas sorriem com o outro com verdadeira alegria diante de suas conquistas?

– Ainda mais raramente, pai.

Você acha que as pessoas sorriem do outro, dentes e gengivas arreganhadas, diante de seus tombos?

– Como hienas, pai. Como hienas.

– Sendo assim, Ricardo, o verbo ad-mirar deveria ser substituído por tele-mirar. Como a ad-miração, isto é a mirada rente, conjunta e fraterna, raramente é exercida.  Deveríamos dizer que os invejosos, peçonhentos que nem eles, só fazem mirar de esguelha, à distância, ou seja, eles só fazem telemirar.

– Isso me dá uma tristeza tão funda. Uma baita de uma tristeza oceânica.

– Não se preocupe meu filho, com a idade, a coisa só piora, já que a tristeza é bem funda, oceânica como a nossa impotência, acaba dando de ombro e se curvando reumaticamente em resignação, isso para não dizer que, ao fim, muitos de nós estaremos rindo dos outros e de nós mesmos, como hienas.

– Mas por que admirar é que tão difícil, pai? Por que nós só conseguimos, quando conseguimos, telemirar?

– Quer que eu lhe conte como Friedrich Nietzsche, o dono do bigode mais desgrenhado da história da Filosofia disseca as gêmeas bivitelinas admiração e inveja? Aí vai entrar uma aqui uma discussão, aqui. O pai não está edulcorando a pílula, digamos assim, ele está mostrando essas tensões, essas configurações. E... O livro, ele tem uma preocupação entre o ser e o dever ser, que é uma dimensão da educação de um pai e uma mãe para seu filho e sua filha, ou seja, se não houver uma dimensão do pai e a mãe dizerem, ou do pai e o pai, da mãe e a mãe, todas as formas de amor são bem-vindas e não houver uma dimensão do filho e a filha serem educados sabendo como as coisas acontecem ensinando adimensão de com a vida é, você pode educar uma criança numa bolha que pode ser aniquilada, arrasada, além de toda solidariedade que existe, para além de toda a carga de afetos, e a gente sabe que os afetos mais negativos, eles têm mais aderência. Do que essa fragilidade da bondade.

O Esopo costumava dizer que a maldade caía como um relâmpago e a bondade advinda dos deuses caía como uma pluma. O contraponto sempre neste sentido.Vocês começam a ver como essas reflexões são antigas. E aqui no livro, tem uma dimensão do pai querer dizer como as pessoas são, tem a dimensão do pai querer dizer como as pessoas estão, que elas sonegam a bondade, mas olha esse não é o seu caminho, e tem uma dimensão você pode buscar outros valores, isso é uma coisa muito bonita, com todas as contradições que uma criança, um novo ser possa ser eivado ou eivada de esperança. Esse livro faz um contraponto sempre nesse sentido.

Geórgia – Pronto! Dizer para todo mundo que a gente não combinou. Que nós escolhemos as cores para nos apresentarmos aqui nesse momento, de maneira inconsciente. Foi totalmente por acaso. Vou agradecer a direção da Bienal, pedir ao Paulo (da Técnica) para apresentar a marca, para as pessoas darem sua opinião, expressar minha gratidão enorme a Flávio Ricardo Vassoler. A Rogério Robalinho, Guilherme, além de Paulo e Rosely, que estiveram com a gente.

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@georgia.alves1

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