Entre quatro paredes

Entre Quatro Paredes

.Victor Fernando

.

O silêncio agonizante reina em meu quarto. Ele grita em meu ouvido palavras de difícil compreensão. Quem dera se fossem os cantos das musas para me dar inspiração. Mas não: este som que escuto é o som da angústia. Na minha janela, está deitado meu gato Peludo. Ele espreguiça-se e levanta-se. Aquele lugar incomodava-o e então decide deitar em minha cama. Longe, escuto o som da sirene da ambulância. E então aquele silêncio torna-se triste. “O que aconteceu com a pessoa para a ambulância ser acionada?”, pensava comigo mesma, enquanto via o meu gato afofar a cama e se deitar.

No prédio em que vivo, não há muitos andares. Agora mesmo, o vizinho do quarto direito chegou. É um homem alto, esguio, nada forte, suas feições também não são um ponto que chame atenção. Toda a sua força encontra-se na sua mente: é um homem astuto e inteligente. É inteligente, porém arrogante e adora me fazer perder tempo com suas digressões, quando lhe dou um bom dia ao nos encontrar no térreo. Ao ouvir meus cumprimentos, ele retorque, à maneira dos niilistas, com palavras complicadas que eu não conheço e que suspeito que ele as inventou. Ao pronunciá-las, forja um sorriso irônico e uma voz mais alta que o costume, que normal, já é alta. Gosto dele, na verdade, amo-o. Ele vê a realidade como eu a vejo, sem rodeios e romantismos. “Esse idealismo é podridão, excremento da história dos fracos. Eles, para livrarem-se das mazelas da vida, escondem-se atrás de fraseologias e mais fraseologias. E eu me refiro aos idealistas que afirmam que é preciso valorizar a alma, a mente, em favor do corpo, que é algo impuro. Esses eu tenho o mais desprazer de conviver em um mesmo mundo. Sua equação de mais mente é igual a corpo controlado não faz sentido.”, falava ele um dia, enquanto almoçávamos em um restaurante perto do apartamento. “De fato”, continuei eu. “Mas acalme-se, está em um tom muito apaixonado, não sejamos radicais a tal ponto. As paixões escravizam a mente e nos faz parecer, muitas vezes, tolos perante a opinião pública, que nada entende a não ser palavras e mais palavras.” A nossa conversa durou muitas horas nesse dia. Ele é um bom homem, pragmático, acima de tudo.

Volto ao meu quarto, à minha realidade, e então encontro-me cercada pelo silêncio, que agora está mais agonizante e mais estridente que antes, sufocando-me com seu cinismo. Passo a visto por todo o meu quarto e de repente o vejo trocar de cor, assumindo uma tonalidade cinza. Aos poucos, inalo aquela cor. Ela enche-me de uma melancolia profunda, que se condensa gradativamente em meu peito e fica ali, atormentando-me e dando-me doses de um abismo de angústias. O sono foi me furtado e agora me resta apenas vagar pelo quarto. Essa melancolia torna-se um ponto de dor em meu peito. “Ah, como queria que a natureza me tivesse agraciado com garras nos lugares de unhas, para que pudesse enfiá-las em meu peito e rasgá-lo com a mais violenta vontade em dois pedaços.”, fazia essas reflexões com lágrimas nos olhos e olhando para o teto. “Ah, como seria feliz. Toda minha angústia sairia e eu me tornaria a mais feliz das mulheres.”

Sou despertada dos meus devaneios com alguém batida à porta. Peludo acordou com o som e me acompanhou para a recepcionar a pessoa atrás da porta. Ao abri-la, com meu gato a rosnar ao redor da minha perna, tive a surpresa e de ser meu vizinho, que queria saber como eu estava. Afirmei-lhe que estava bem e agradeci o interesse. Ele, por sua vez, convidou-se a entrar. Eu não mostrei resistência e aceitei sua passagem, fora dominada por uma sensação que impedia que eu o proibisse. Sua estada foi curtíssima. Limitou-se a desculpar-se pelos tempos que não conversávamos mais durante os almoços. “Estou muito atarefado com as coisas do trabalho, não contemplo o dia como antes, nem analiso mais os livros.” Mesquinho como sempre, deixou o lugar dizendo um adeus ralo, sem fé nem sentimentos. Voltei-me a meu quarto e pus a desenhar e a usar todas as cores que o ser humano pode ver, sobretudo as cores cinza, preta, amarela e azul. Quando dei conta, o sol já estava saindo e o desenho não havia começado.

.@viictusviana

5440cookie-checkEntre quatro paredes

Deixe comentário

Seu endereço de e-mail não será publicado. Os campos necessários são marcados com *.