Contratualismo e Propaganda
ilustração: Pawel Kuczynski
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Por Fernando Balduino
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Contractualismo e propaganda
Pelo humano sonho da conciliação entre justiça e liberdade, o carrossel espiralado da História reclama tantas e gratuitas formas do existirmos. Num confronto contra a exterioridade – eia a etimologia –, variados sistemas sociais surgiram de modo que, ordenadamente, pudessem os membros de uma sociedade perseguir troféus que trazer-lhes-ia distinção e reconhecimento: glória, aplausos e imagem viva; presença no mundo. Em igual preocupação vem, com o ethos do consumismo, forma nova de apresentação de si e de construção identitária. Nesta evolução de cisma, apesares, dilui-se a subjetividade pelas leis tirânicas de uma maioria adepta, indolente e incrédula; restando-se-lhes, ainda, a conquista do voto, fazem questão de constranger os não-cordatos em magistérios de caricaturas: egos inflados – ou covardes assumidos, ou quixotes sem glórias – que não admitem o palpável espectro santo do mundo, chamado vulgarmente de produto ou mercadoria. Demais, os cismados buscam nessa habilidade admirável de conter a energia dispersa – hobbesiana ou rousseauniana, pouco importa –, uma forma clássica de sacro pertencimento: das tribos a cidades, de ofícios a marcas; mecanismo, pois, eficiencialíssimo para homogeneização de alcance irrestrito das tendências culturais.
Quanto à práxis – lógica fundamental inerente de tal mecanismo –, é o afame dum sistema de nutrido reclame, mantido, de tempos em tempos, em re-formas, o qual pinta jeitosamente o produto de novidade: como grandioso leviatã de negociantes de modesto escalão que liquida as mercadorias para recomeçar o negócio com artigos da última remessa. À popularidade cíclica, aliás, corresponde uma adequação na comunicação: classe média-baixa, massa de tantas fôrmas, acompanha a propaganda – linguagem simples, textos-imagem – e, com esforços de gado, confundem-se aos supostos princípios empresariais. Nisto, os já há muito consolidados créditos da preferência não levam necessariamente, (vide as deificadas biografias de Bill Gates e Ike Batista) uma simpatia ética na conta dos costumes; mas mercadologicamente cercam de aclamações e cores vistosas os anúncios de prosperidade qual, dessarte, existência presente numa ágora supostamente feliz e saudável.
Ainda como propagandas, indivíduos em busca selvagem pelas condecorações sociais – mas inocentes, oriunda do bom pulso nativo dos homens – fazem uso de bens culturais como marcas mesmas de um bem de identidade, de tal modo que, para além das virtudes próprias que lhes são atribuídas, tornam-se espelho, e mudam segundo a figura em todo um anúncio: em gestos de marca, cartilhas sublimes dos valores do capital; em andares nos espaços culturais, esforços públicos de progresso econômico; em estilos de vida íntimos, apropriações de morais da educação colhidas por desiludidas consciências individualistas, ceifadas justamente pela glória de grandes oráculos da modernidade – empresários empreendedores! Em suma, temos, na média, o perfil de espírito esboçado, moral e materialmente, pelos exercícios de afluência e influência ante as estátuas litúrgicas do homem pós-moderno: sê todo em cada cousa; todo publicidade, todo doutrina merca!
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42940cookie-checkContratualismo e Propaganda
Parabéns meu amigo. Necessito reler algumas vezes teu profundo texto. Mas não consigo me ater a nada menos que esse.
Abraço.