O Silêncio

O Silêncio – Ingmar Bergman

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Resenha Por Pedro Albuquerque

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Ao assistir “O Silêncio”, de Ingmar Bergman, consegui pensar em duas atribuições de significado realmente dignas do conteúdo apresentado no conjunto da obra – para além de uma genérica análise direta e univocamente psicanalítica, tocante à possíveis atrações incestuosas, aos efeitos da inveja e onde as personagens alegorizariam os agentes psíquicos-  sendo que, como desenhado na narrativa, uma é consequência da outra: fluxos psíquicos impulsionais e o peso da responsabilidade.
De maneira mais específica, a personificação das variadas ânsias opostas que pulsam no psiquismo e seus respectivos esquadrinhamentos organizacionais e execuções funcionais . A narrativa gira em torno de duas irmãs e uma criança, Johan, filho de uma delas. As irmãs Anna e Esther, são dotadas de personalidades antagônicas. Anna representa o ímpeto das pulsões primitivas, da lascívia, da desordem, da negação, da busca por um feito – algo nobre que a dignifique. Esther, a contrapelo, representa a condição intelectual, o esmero, a disciplina, o êxito profissional.
As duas irmãs encontram-se em um conflito gerado pela disparidade entre as posições sociais e individuais que cada uma assume, intensificado por uma debilidade de interlocução entre elas.
Percebe-se aqui, alguns dos traços mais marcantes do cinema de Bergman: o retrato dos problemas de comunicação que levam à tragicidade afetiva e a pressão implicada pelo vazio de significado ao movimento, conectados com a paradoxal necessidade de uma dinâmica existencial “revolucionária” e à exasperação de sentimentos, possível apenas através de meios textuais não verbais, apelando à gesticulações e flexões musculares diversas – evidenciando a poderosa veia dramatúrgica de Bergman no que tange ao trato e modelagem da expressão corporal.
A história em si, não se faz o elemento mais importante, sendo relativamente simples: as personagens, voltando de uma viagem, fazem uma parada e hospedam-se em uma cidade de um país desconhecido cujo idioma lhes é ininteligível. Esther está doente e -dadas as decorrências patológicas- sofre algumas crises; fator que faz aumentar o tempo de estadia das personagens ali. A essência de “O Silêncio” encontra-se na sequência das imagens ilógicas, na relação problemática das duas irmãs e no vagar meio que vacilante de Johan. Entre anões membros de um circo; longos corredores de um grande e monótono hotel; um estranho recepcionista falante da língua local; um amante completamente *afônico* e um tanque de guerra a andar solitariamente pelas ruas da cidade – ambos elementos que condizem perfeitamente com a falta de forma estrutural e organizacional dos conteúdos “cravados” nas profundidades recônditas do psiquismo – as irmãs alimentam suas desavenças.
Duas estruturas de desejo contrárias, dois ideais, duas diferentes configurações de percepção que nutrem hostilidades entre si.
No meio de todo esse desconcerto, o “entretermo”, o único lapso de razão em um mundo arbitrário é o filho de Anna, Johan que, impotente, anda errante pelo hotel a observar o contexto que o cerca: a inimizade de mãe e tia e o estranhamento de encontrar-se em um ambiente absurdo.
Assim como ocorre na vida mental, Johan é o esboço do pequeno germe de razão presente entre duas grandes possibilidades existenciais que lutam para se impor e expõem cada vez mais, suas incongruências mútuas. Este germe deve ser alimentado e levado ao ato, deliberando entre as possibilidades: aderindo totalmente a uma destas, ou adquirindo o melhor de cada em acordo com o que lhe convém e se transformar, perante a vida, em algo concreto.
O desenvolvimento infantil em meio a desavenças e conflitos familiares é difícil e pode servir como metáfora à “vertigem de liberdade kierkegaardiana” ou à “responsabilidade sartriana” da tomada de decisão. Fortalecer o germe de razão em meio à causticidade e calor daquilo que se movimenta de maneira bruta e ruidosa, buscando o ato, o devir, é penoso, dói e às vezes vai contra o clamor energeticamente econômico da carne. É como ser pungentemente torturado, sentindo seu corpo revolver-se no sangue. O desenvolvimento e enrijecimento psíquico da função assertiva que envolve a ponderação e ação, devidas a serem efetivadas em dado momento da existência pessoal, é uma senda árdua, cheia de curvas, aclives, declives, buracos e empecilhos plurais. Ao mesmo tempo que árdua, é uma vereda imprescindível para aqueles que pretendem seguir no rumo do curso das coisas, no devir, no som e na fúria.

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Pedro Henrique Albuquerque dos Santos é um escritor, poeta e crítico cinematográfico mineiro residente de sua cidade de origem: Conselheiro Lafaiete. Profundamente apaixonado pelo mundo das imagens e do movimento, Pedro busca constantemente, o retrato das nuances surreais nas veias quase que estouradas do cotidiano e ordinário.

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@petrussanctorum

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6 comentários sobre “O Silêncio

  1. Pedro, belíssima estréia em nosso site. Criteriosa, potente e completa, assim vejo sua resenha. Parabéns.
    Grande abraço.

    • Muito obrigado, Raul, pelo comentário e, principalmente, pela oportunidade de escrever para este projeto maravilhoso!

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