O enigma da virgem dos rochedos

O enigma da virgem dos rochedos

Geórgia Alves

Tudo começou quando fui elaborar a prova do quarto Bimestre dos primeiros anos. Estava diante de um dos computadores da sala dos professores, quando me ocorreu encostar à tela a superfície de vidro do celular, formando espelho em posição perpendicular à imagem do quadro de Leonardo Da Vinci. Intitulado “A virgem dos rochedos”.

 

A reprodução de uma tela de 189 centímetros e meio de altura por um metro e vinte de largura. O gesto quase intuitivo levou à formação da imagem duplicada da virgem em sua metade do mundo ideal. A tela já vira motivo de análise no livro pelo olhar do historiador Alfredo Bosi, diante de meus olhos se transformou em uma espécie de decifração de enigmas ou resoluções dos aspectos da vida pessoal do artista italiano, nascido na então pequena e desconhecida Anchiano, como filho ilegítimo.

 

Leonardo nasceu em 1452, a 15 de abril, e embora em 1466 já estivesse estudando com Andreas Verrochio, em um dos ateliês mais destacados aos seus 14 anos, na Florença com pouco mais de 60 mil habitantes, e que após a virada do século se transformará em uma das maiores e mais concentradas da riqueza e conhecimento de toda Itália, o jovem surpreendeu em todos os momentos, se tornar alguém merecedor da fama.

 

Ao pintar a imagem de Maria ladeada por João Batista – ainda menino e embora tendo seus traços fisionômicos – e o menino Jesus acompanhado de um anjo em 1508, Leonardo recupera nas feições das personagens bíblicas, traços muito familiares. E mesmo tendo pintado o quadro com mais de 50 anos (55) e completado a maior parte da vida, já havia demonstrado ainda no pequeno vilarejo da Comuna – mais ao Norte da Itália – na companhia do tio Francesco, habilidades diferentes dos demais garotos.

 

Escrevia com auxilio de superfícies espelhadas e desenhava da direita para a esquerda. Mostrava grande competência com desenho e matemática. Era curioso, interessado em vários temas, ao mesmo tempo. Ainda que se dispersasse em estudos de animais e plantas, era capaz de reproduzir em detalhes quase que invisíveis a outros olhos. Viveria apenas até 1519. Antes de completar 70 anos, aos 67 anos. Mais precisamente.

 

Como se sabe, não foi simplesmente uma das mentes mais brilhantes da história, após os terríveis anos da chamada Idade Média, nasceu em condições adversas, tendo sido separado da criação da mãe legítima, para acompanhar a posição social do pai,e apesar de todo sofrimento dessa frieza e distância, seria capaz de influenciar outros artistas como Michelangelo Buonarroti e Rafael Sanzio, autores também estes das maiores obras da Capital do Vaticano, Roma, com histórias muito menos conflituosas. Leonardo também já servirá de modelo para a escultura em bronze do Mestre Verrocchio, de um Davi triunfante, tendo sob seus pés a cabeça gigante desolada de Golias.

 

Recentemente, reli em sala de um aula o primeiro parágrafo da obra do autor norte-americano Dan Brown. Casado com uma historiadora, este escreveu o famoso best-seller “O Código Da Vinci “. E é um fato que me espantou a capacidade da trama de expor epifanias que vão desde a pirâmide invertida no espaço luminoso da janelas entre as figuras referentes a Jesus e Maria Madalena e mesmo a posição em que estão ambos, com afeto de companheiros apaixonados, e na inversão e deslocamento, hoje possível com efeitos gráficos, revelar a cabeça inclinada de Madalena sobre o ombro de seu marido, ninguém menos que o Cristo.

 

Não vim analisar o afresco da última ceia, mas é preciso que diga-se de passagem, a escolha do momento mais dramático da virada de uma história feita por palavras de amor e pregações por um pertencimento que os seres humanos jamais tiveram até ali, já não eram estágios simples de alcançar para estes mesmos humanos. Agora imagine ser capaz de tornar a própria mãe e a condição de filho ilegítimo algo abençoado pela mão de Maria, mãe de Deus, com as palmas voltadas para sua cabeça. Talvez espelhando a si mesmo alguém protegido, assim como Jesus, por um anjo. Em forma de figura feminina. Ambos passam a estar sob a promessa de bênçãos e proteções da Santa. Não Sei se o que fiz já aconteceu antes e só não irei reproduzir a imagem editada por meu estudante do terceiro ano, do curso de Mecânica, porque há mesmo partes assustadoras. Sob os pés da Santa, das viagens duplicadas e suas crianças. Não sei se Leonardo pensou nisso, entretanto, nesta semana que começou após o dias dos mortos, me senti mais viva que antes, quando bem se sabe, após o lançamento de livro é comum a sensação de esvaziamento entre escritores.

@georgia.alves1

 

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