NOMES, SOBRENOMES E POLÍTICA.

NOMES, SOBRENOMES E POLÍTICA.

Antônio Pimentel

O sobrenome é agregado ao nome de batismo para identificar a origem familiar do sujeito. Normalmente, temos uma mistura de sobrenomes da mãe e do pai para a denominação dos filhos. Somos, eu e meus irmãos, Gomes Pimentel. Gomes é materno. Pimentel, paterno. Caminhamos por aí, carregando as histórias de duas famílias bem distintas: uma carioca da Tijuca; outra dos cafundós de Minas Gerais. Encontros e fusões improváveis. De repente…

Nos últimos tempos, o sobrenome foi usado para manifestação política. Muitas pessoas adotaram, nas redes sociais, sobrenomes que sinalizam a adesão a alguma causa pública, partido, grupo social ou personagem da política nacional. Tivemos muitos fulanos guarani kaiowá. Outros beltranos foram ou são Lula da Silva. Em contraposição, muitos sicranos foram ou são Moro. Há algum tempo, Marielle apareceu com força. É um prenome usado para identificar pessoas que lutam para preservar a memória da vereadora assassinada e buscar a identificação e responsabilização dos mandantes do crime.

Não sou parte dessa política. Nos casos dos usos dos sobrenomes do Lula e Moro, sempre achei o embate ridículo e sem valia. No caso dos índios guarani kaiowá, a manifestação ajudou a lançar luzes sobre uma causa relevante. Sua eficácia é perto de zero, mas pelo menos a causa é decente. O nome da vereadora Marielle tem a força de gritar por Justiça. Vai passar, como já passou o do pedreiro Amarildo. Passam, mas deixam a marca da indignação e ajudam a pressionar a Polícia e a Justiça.

Relendo o livro 1822 (Editora Nova Fronteira, 2010), do jornalista e historiador Laurentino Gomes, encontrei episódio que marca, talvez pela primeira vez no Brasil, o uso do sobrenome como forma de manifestação política. Foi durante os embates para a Independência do Brasil, em 1822. Brasileiros e portugueses, em vários cantos do país, entraram em guerra, com insultos, pancadarias e confrontos sangrentos. É importante destacar que o processo de ruptura do Brasil com Portugal não foi pacífico e não se resume à vontade de D. Pedro I e ao seu grito às margens do Ipiranga. Os confrontos envolveram vários atores sociais e foram cruentos.

Nesse contexto, muitos brasileiros partidários da Independência resolveram tornar pública sua posição política. Em gestos de rebeldia e repúdio, substituíram os sobrenomes de origem portuguesa por outros com “denominações indígenas de árvores e animais silvestres para sinalizar a adesão à causa brasileira.” As decisões foram divulgadas nos jornais e alguns bateram às portas dos cartórios para uma mudança legal na certidão de nascimento.

Na Bahia, o advogado e jornalista Francisco Gomes Brandão passou a assinar Francisco Gê Acaiaba de Montezuma, homenageando os povos indígenas Gê e Acaiaba e o imperador asteca, numa manifestação de solidariedade latina. O padre Antônio de Sousa, de Alagoas, virou Antônio Cabra-Bode. O mestre Joaquim José da Silva mudou para Jacaré. O piloto de navio José Caetano de Mendonça acrescentou Jararaca ao nome, o que revela que a venenosa serpente já frequentou a cena política nacional em outros tempos. O também piloto José Maria Migués abandonou o Migués português e declarou na imprensa que assim agia para “não discrepar da união sentimental dos seus patrícios” e rogou “aos senhores brasileiros e inimigos do despotismo o reconheçam por José Maria Bentevi”. Podemos ter circulando por aí muitos sobrenomes com origem no movimento da Independência: Jacutinga, Urutu, Juriti, Sabiá, Colibri, Saracura… Revolta, nacionalismo e poesia.

@antoniopimentelbh

26/03/23

 

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