FILA, DIVERSIDADE HUMANA E DIREITOS.

Antonio Pimentel

Nunca fui muito paciente. Minha impaciência é corriqueira e se manifesta diante de pequenas coisas do cotidiano. Ando rápido e fico impaciente com gente devagar na minha frente. Atualmente, se meu caminho é travado por alguém distraído com o celular, minha ira é certa. Não brigo, não falo insultos. Sigo em frente. O desconforto é meu.

Chego à fila do banco. Dois caixas ocupados: uma senhora bem idosa e um rapaz deficiente, na cadeira de rodas. Vai demorar. Fiquei impaciente. É coisa quase instintiva. Um impulso. Parei e sosseguei. Calma, Antônio! Você está diante de uma situação que confronta seus valores e muito daquilo que você faz na sua vida profissional. O que está aqui e agora é o exercício de direitos, com autonomia, por duas pessoas diferentes de você. Direitos e diversidade humana.

Minha impaciência não tem sentido. É cega e egoísta. É falta de educação para a convivência com pessoas com condições, ritmos e tempos diferentes do meu. Voltei para a escola. Voltei para meus tempos de trabalho e aprendizagem na Escola de Gente, organização social sediada no Rio de Janeiro, que atua na promoção e defesa dos direitos das pessoas com deficiência, particularmente o direito à comunicação.

Trabalhando na Escola de Gente, com sua equipe e sua criadora, a jornalista e escritora Claudia Werneck, pude, pela primeira vez na vida, prestar atenção nas pessoas com deficiência e nos seus direitos humanos e fundamentais. Trabalhei anos para a garantia de direitos de crianças e adolescentes. Nunca tinha olhado com atenção os desafios do exercício de direitos por pessoas com deficiência, mobilidade reduzida, baixo letramento e outras condições que dificultam, mas não podem impedir o acesso aos direitos. A senhora idosa e o rapaz deficiente estavam exercendo seus direitos. Eu e a sociedade em geral é que não estamos preparados para respeitar outros tempos, ritmos e condições no convívio social.

“São Paulo não pode parar” é mote antigo. Aparece aqui para ilustrar a pressa da nossa sociedade. Vivemos correndo e ansiosos. Tempo é dinheiro. O tempo voa. É preciso cumprir metas e alcançar objetivos. Em tempo de quase tudo digital, ao alcance de um toque de dedos, uma fila de banco surge como um martírio. E cega nossa humanidade. Cega nossa educação. Cega nossa capacidade de conviver. É bomba, Antônio! Hora de aprender, reaprender, consolidar aprendizagens.

As pessoas com deficiência e mobilidade reduzida não podem ficar escondidas em casa. Não podem ficar privadas dos seus direitos. Precisam sair e acessar seus direitos, diretamente, com autonomia e, quando necessário, com suportes. Nossa sociedade envelhece. Eu mesmo já sou legalmente um idoso. Estou coberto pelo Estatuto do Idoso. Precisamos aprender a conviver e a respeitar as mais diversas condições humanas.

A meu favor, conto uma particularidade. Já disse que ando rápido. No entanto, se percebo uma pessoa com limitações de mobilidade na minha frente, diminuo o meu ritmo. Passo por ela devagar. Cuido para não a ultrapassar de um jeito que possa parecer impaciente ou agressivo. Cuido para a pessoa não se sentir ultrapassada numa velocidade muito superior àquela que ela desenvolve. Pode ser bobagem e passar despercebido, mas é um cuidado que tenho.

Aprender é o grande trabalho da vida. É o grande prazer também. Aprender a conviver é luta constante. A paciência que faltou na fila mostra a fragilidade de um valor central: a solidariedade. É preciso estar atento e forte. Não podemos deixar o ritmo acelerado dos tempos atuais atropelar nossos valores. É um desafio civilizatório.

@antoniopimentelbh

12/02/23