O PERSONAL INFERNAL

Antônio Pimentel

Vivemos o tempo da massificação de tudo ou quase tudo. Produção em escala e padronização. Tempo também de valorização da diversidade, de múltiplas identidades. Nesse terreno pantanoso, numa frente específica de resistência, reagimos e lutamos para a personalização do que for possível. Há um esforço cada vez mais abrangente de produção ou adequação de serviços e produtos para atender ao gosto e às exigências particulares de clientes e usuários. Entra em cena o personal, esse profissional moderno, com várias faces e utilidades. Personal trainer. Personal chef. Personal diet. Personal organizer. Personal pet. Personal stylist. Personal shopper. Personal wine. Tem até personal friend.

Nunca tive um personal. Eu mesmo cuido das minhas coisas. Mas deve ser bom e confortável contar com ajudas especializadas de tantos profissionais. Precisa organizar seus armários? Ligue para o personal organizer. Se o desafio é melhorar a compra de alimentos e sua dieta, acione o personal diet. Corpito precisando de exercícios? Que venha o personal trainer. Totó quer passear? Chame o personal pet. Uma festa. Não quer ir sozinho? Personal friend é a solução. O personal stylist ajudou no conhecimento e definição do seu estilo? Ótimo! É hora das compras. Tenha a companhia do personal shopper, que vai ajudar na seleção de roupas e acessórios adequados ao seu estilo e tipo físico. No restaurante, o sommelier é ajuda importante na escolha de um bom vinho. Em casa, não há motivo para pânico ou degustação de vinhos precários. Busque apoio do personal wine. E por aí segue a vida de muitos.

Nesse mundo customizado, pude uma vez identificar e sentir a força de um desses novos profissionais. Sexta-feira à noite, Belém, Estação das Docas, um lugar muito bonito, onde fiz ponto quando trabalhei no Pará. Eu e uma amiga resolvemos beber e conversar até a hora do nosso voo para Beagá. Saímos do hotel com as malas e estacionamos nas Docas. O voo era às duas da manhã. Até lá, cerveja, papos, observações do entorno e da fauna noturna. Bom passatempo.

Dia movimentado. A sexta-feira tem um charme especial. Esquenta o rabo de todo mundo, diria minha Vó Vita. As pessoas ficam mais alegres, abertas e felizes. Assanhadas, mesmo. Na Estação das Docas, calorão, brisa da Baía do Guajará, música e muita gente desfilando no antigo cais.

Surge na pista uma moça bonita e produzida. Cabelos negros presos com uma fita. Rosto maquiado, boca vermelhona. Vestido estampado justo, com fenda lateral, pernas à mostra. Salto alto. Pernas fortes. Bunda fornida e saracoteante, parecendo ter vida própria. A moça tá que tá. É vistosa e sabe disso. Movimenta-se com destreza. Sorriso aberto. Na verdade, desfila. É uma tentação e está na noite para isso mesmo: afoguear o pacato cidadão. Olhei a cena e comentei com minha amiga:

-O personal stylist dessa moça é o próprio Satanás! Foi o capeta que produziu essa criatura! Olha o jeitão dela.

Ela veio serelepe, percebeu nosso olhar, sacou que eu comentava sobre ela. Caminhou rente à nossa mesa e, por trás, passou a mão no meu cabelo e deu uma pegadinha no meu pescoço. Deve ter pensado: “vou dar uma colher de chá para esse bocoió”. Eu, tímido e recatado, fiquei quieto, navegando no mundo dos pensamentos. Resisti bravamente. Resistência? Melhor dizer fraqueza e inação. Ela seguiu seu caminho, espalhando inquietação e pensamentos safados.

Xô, Satanás! Desafasta! Mas parabéns ao personal das profundezas. Estilo é tudo.

@antoniopimentelbh

15/01/23