Conceição Rodrigues

Entrevista por Geórgia Alves

 


Foto: Morgana Narjara

Conceição Rodrigues nasceu numa cidade chamada Arcoverde. Desse jeito: Portal do Sertão Pernambucano.  Fez a travessia e veio para os sem fins do Recife. Sim. A cor predomina no seu arco celestial. Quando encontra com a Poesia de Conceição Rodrigues a língua portuguesa dança bem diante dos olhos. Cada palavra convida a experimentar verdades tão fundas, do verbo, de todo o verbo o princípio, o principal e aquilo que toda vã Filosofia não alcança.

É que viver ultrapassa toda língua. Mesmo linguagem santa. Ainda que em dedos de santas. Dedos faiscantes onde toda teoria do mundo brilha, palpita, não sendo jamais capaz de subjugar o experimento mesmo que é de estar vivo. Com suas dores e alegrias, a tua Poesia, Conceição, talvez, ofereça o braço e chame o que é vivo para dançar, de corpo inteiro? 

Sim, a poesia e toda sorte de arte. Sabemos que a humanidade não conseguiria prosseguir sem a válvula/motor arte. É essa dança que nos permite viver.

 

E essa coisa de dedos. Na ponta dos dedos das santas saem faíscas, físicas? Tua Poesia é Metafísica, Conceição Rodrigues? Sei que já nos entrega o que há de grande mistério entre o céu, a terra, o mar, o fogo e os dedos… Os dedos das santas costumam faiscar, de apontar uma saída que ninguém enxerga? 

Geo, confesso que precisei de coragem para me colocar no lugar de oferecer a quem quiser ler os meus eus…

Desde Scott, uma luz verde singra o horizonte no espocar da vida. Sobre o que faz gerar a vida, Fitzgerald faz graça com a imagem do bailado de dedos, ambos seguem bem diante do arco celestial verde. Tu e Fitz.

                                                       

No arco da vida, Conceição, tu vês dedos de santas dançando ou encarando diariamente a escuridão inominável? O que não se pode explicar, nem com toda a humanidade posta, é não se render as santas? 

As minhas santas são rebeldes, sentem as aflições humanas, sofrem com suas próprias questões, e de repente estão por aí jogando coquetel molotov, pelas esquinas, cuidando de casa, fumando ou bebendo… para “desopilar”, como dizemos.

As santas também são as que foram martirizadas e ainda assim permaneceram defendendo o que acreditavam… por outro lado, há certos “santos” que não têm e nem querem ter nada de santos. Eu não me rendo à santa hipocrisia.

O único problema verdadeiramente essencial para a filosofia, diz Camus, é o árbitro da morte. Ele está em teu livro. Até eu eu estou ao lado de Thais Sales e Sonia Marques, Maria Salomé, Paulo André Souza. Deus me acuda. Só estar aqui, para sempre, contigo, e falando pela eternidade… Já viu.

No caminho inverso, os dedos das santas, que memórias te conduzem neste balé da vida, Conceição Rodrigues? E também convidam ao balé da morte, magnífico, que no final das contas, faz tudo parecer ter sentido. Queremos viver e compreendemos o valor da vida porque sabemos que morreremos, e provavelmente já perdemos alguém querido para a morte, vimos que restará o vazio, o vazio que seremos todos nós. O silêncio virá para todos nós.

Que mais motivou os dedos das santas costumam faiscar, (segundo publicado pela Patuá/SP)?

Esta obra, Os dedos das santas costumam faiscar, está dividida em 4 desatos. Um deles dedicado especificamente ao balé da morte, chamado “os delicados preferem morrer ou o cabo tenso de equilíbrio” título que vem numa alusão geral a Maiakovski, esse cabo tenso que equilibra o viver e o morrer. Embora o tema morte, de alguma maneira, povoe toda a obra. A morte cabe dentro da vida, que também é cerne de tudo.

Há mais verdades reveladas entre essas linhas que as entrelinhas do teu livro anterior?

Sim, com certeza, as minhas frágeis verdades, o meu olhar da brecha para o mundo, que é limitado e ao mesmo tempo é o que tenho, é meu sentimento em relação à existência. Em Molhada até os ossos, eu trabalhei o feminino, o que é ser mulher, o sentimento de ser dentro de uma sociedade altamente injusta, machista, hipócrita, individualista, o feminino enquanto língua, cidade, solidão, sensualidade, morte, vida com uma pitada de revolta, rebeldia, como é preciso.

Em “os dedos das santas” eu trabalho o que mais tem me provocado ultimamente, a relação sagrado/ profano, cutucando as verdades estabelecidas, a dor do viver/ morrer, o direito/ não direito de morrer, ou o suicídio, assunto que me interessa profundamente, perdi minha mãe para o suicídio e confesso que já fui uma candidata a querer descansar mais cedo, por escolha. Hoje menos, depois de muito trabalho, porque a literatura tem me ajudado a lidar com meus demônios desde a infância, e eu não exorcizei diabo nenhum, preciso deles, aprendi a conviver com eles todos, os demônios, e a tirar proveito dessa relação de troca… eles me consomem um pouco, mas me abrem os olhos e me põe numa perspectiva sempre dialógica, longe de maniqueísmos,  e eu transformo em literatura meus martírios. E às vezes, minhas alegrias.

Com a experiência de autora, que parte de “Molhada até os ossos”, a Poesia inteira fluiu mais intensa em “os dedos das santas costumam faiscar”?

A poesia permanece esse sentimento em mim de ver as coisas sob diversas camadas, ângulos, do olhar mais sensível e independente.

A experiência de já ter publicado ajudou muito.

Como uma Poeta vê o mundo posto no mundo dos homens?

Pela brecha, com medo e aflição.

Ser humano é problema ou solução? 

As duas coisas. Ao mesmo tempo em que conseguimos avançar nas mais diversas áreas do conhecimento, parece que não sai de nós o desejo de querer mandar ou de ser mandado… de reprimir ou de ser reprimido… uma coisa de poder, uma alegria em oprimir que fascina quem oprime e quem é oprimido… enfim… a complexidade é gigantesca. Por exemplo, a Alemanha, com toda aquela arte e conhecimento, na vanguarda do mundo, produziu uma das maiores atrocidades da face da terra.

E ser demasiadamente santa? 

Não acredito em nenhum santo que seja tão santo, eu os vejo muito próximos de nós, com nossas questões e escolhas e tentações. Eu tenho uma tendência de humanizar o sacro. Por isso me dou a liberdade de ver Jesus menino um pop star tocando guitarra, como faço alusão em “ Os dedos das santas…”,  Jesus foi tentado, sentiu-se abandonado. Eu me reconheço Nele, em sua humanidade. Santa Teresa D`Ávila desejou a morte. É possível que todos sofram, até Deus.

Quais Humanidades nos faltam para atingir a divindade de corpo inteiro?

Essa divindade é impossível, não há perfeição, ainda bem. Ao mesmo tempo somos divindades pelo dom da vida. O que deixa tudo complicado é a morte.

A fome, o egoísmo, “a escuridão da noite” são problemas que só se pode tocar com a Poesia?

Toda a arte alcança qualquer tema. Eu escrevo narrativa também, assim como você, que é uma artista múltipla, a gente sabe que só a Arte é capaz de mostrar o indizível.

O que a Filosofia deveria (ou não) dizer à Arte? 

Eu amo saber, desvendar, compreender, com certeza comeria a maçã assim que Deus dissesse para não comer, claro que esperaria Ele virar a esquina. Arte é uma maneira de filosofar, em minha opinião, só que produz beleza.

Acho que ambas dizem o que é preciso do jeito que sabem.

A Poesia, quando não nos verte, nos faz menos ou mais humanas?

Eu me sinto cada vez mais humana. Em minha fragilidade, nas virtudes que procuro alcançar. A Arte nos abre o olho. A gente perde a inocência.

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4 comentários sobre “Conceição Rodrigues

    • Resultado de nosso trabalho conjunto colega. Parabéns pela entrevista, que venham muitas outras atavés de suas palavras talentosas , como as de Conceição Rodrigues.

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